SÃO PAULO (Reuters) - Em 2011, quando apresentou no Festival de Berlim seu curta-metragem "Ensolarado", o mineiro Ricardo Targino adiantou que estava pronto para começar seu primeiro longa, "Quase Samba", que estreia agora em circuito comercial e com exibições populares.
O objetivo é alcançar um público maior para uma história que ele classifica como fábula sobre a família contemporânea. E é muito oportuno que o filme mostre sua cara num momento em que o discurso homofóbico e a intolerância religiosa ganham forças em algumas camadas da sociedade e se propagam pelas redes sociais.
A família contemporânea que o filme de Targino acompanha é composta por Teresa, uma trabalhadora negra, interpretada pela cantora e atriz Mariene de Castro, nos últimos dias de gravidez, seu filho pequeno, cujo pai é um miliciano (o cantor Otto) que impõe o terror na periferia de uma cidade não identificada (mas que se parece com tantas periferias brasileiras), um homossexual romântico e melancólico (Cadu Fávero, em ótimo momento) e um ex-namorado que a reencontra (João Baldasserini, de "Linha de Passe").
Teresa, que consegue se descolar de sua dura realidade ao cantar em uma emissora de rádio, divide uma casa modesta com Shirley (Fávero), que a ouve nos momentos de crise e se empenha para que ela deixe de se encontrar com o policial violento, pai de seu primeiro filho.
Shirley cuida do garoto como pai e de Teresa com o carinho de que ela necessita no fim da gravidez. Ele próprio tem uma história mal resolvida com um rapaz metido em confusões com a polícia, de quem também se esforça para se afastar.
Teresa e Shirley se complementam e fortalecem em sua solidão. O rosto dela se irradia quando canta, o dele se transforma quando se maquia e coloca cílios postiços, como uma vedete exagerada.
Charles (João Baldasserini), o ex-namorado, reencontra Teresa, grávida, quando ela muda de casa. Ele propõe assumir a paternidade da criança e reiniciar a relação amorosa. Mas Teresa, fragilizada, não consegue se afastar do amor bandido.
Charles também tem seus negócios escusos, usando seus conhecimentos de informática para consertar caça-níqueis ilegais. Mesmo assim, parece ser o homem capaz de dar à cantora amor sincero.
E é nesse ambiente de relações fracassadas, de vida dura pela sobrevivência, que esses personagens interagem, sempre cruzando a linha tênue que separa a vida da morte, convivendo com a violência sexual, os maus tratos contra a mulher, e o beco sem saída dos bairros periféricos das metrópoles.
O que esperar dessa convivência forçada, a não ser o esgarçamento do tecido frágil que permeia as relações humanas? E são essas questões que o diretor quer mostrar de uma forma mais ampla, levando o filme para exibições públicas, utilizando inclusive as redes sociais para divulgar seu trabalho.
Targino não é pessimista e acredita ser possível manter vivos os sonhos e os lugares de afeto. Ele diz ter entregue um filme de amor e de sonho, que também fala de nossa capacidade de adaptação à dor e de seguir sempre em frente.
(Por Luiz Vita, do Cineweb)
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