SÃO PAULO (Reuters) - Kevin Spacey sentado na cadeira do Salão Oval da Casa Branca pode não ser novidade, pois muitos já estão acostumados a vê-lo assim na pele do manipulador Frank Underwood em “House of Cards”.
Trocando a série da Netflix pelo novo filme de Liza Johnson, “Elvis & Nixon”, o ator continua no mesmo cenário, mas interpretando um tipo totalmente diferente: um dos presidentes norte-americanos mais retratados no cinema, o icônico – pelo seu jeito caricato pelos escândalos de corrupção – Richard Nixon.
O curioso é que, após tantas representações, só agora lança-se luz sobre um dos episódios mais inusitados de seu governo, que foi o seu encontro com o Rei do Rock, Elvis Presley, registrado apenas por uma foto.
Justamente a imagem mais requisitada no Arquivo Nacional dos EUA inspira o surreal e hilário “Elvis & Nixon”, longa que se dedica a imaginar a preparação, negociação e o conteúdo de tão intrigante conversa, ocorrida às vésperas do Natal de 1970.
O período marcado pela contracultura e os hippies, protestos de jovens contra a Guerra do Vietnã e pela luta pela igualdade das mulheres, além da popularização das drogas, mostrava pela TV um EUA em colapso para Elvis Presley, que resolveu que deveria fazer algo por seu país.
Se os coloridos créditos iniciais, em conjunto com uma atenciosa direção de arte posta ao lado do suingue das músicas setentistas na trilha ajudam a ambientar a época, o figurino extravagante pontuava a fase mais exagerada da persona do Rei, vivido aqui por Michael Shannon, quando a abundância de anéis em seus dedos se igualava a suas obsessões, como a de se tornar um agente federal disfarçado para combater o narcotráfico doméstico.
A fim de ganhar o distintivo especial, ele parte para Washington com a intenção de oferecer apoio ao presidente na luta contra o comunismo, o grande temor de ambos.
Para a tarefa, Presley conta com a ajuda do amigo de infância e ex-assistente Jerry Schilling (Alex Pettyfer), um dos vários “braços direitos” na trama, a exemplo dos personagens de Colin Hanks, Evan Peters e Johnny Knoxville que também ganham destaque em suas resignadas ações para agradar aos desejos e egos de seus patrões.
A curiosidade sobre o evento tinha alcançado apenas a televisão - com o pseudodocumentário “Elvis Meets Nixon” (1997) e um episódio de “Drunk History” com Jack Black como o cantor -, mas foi para os cinemas só agora, com um estranho trio de roteiristas, formado pelo ator Joey Sagal, sua ex-mulher Hanala Sagal e Cary Elwes, o galã de “A Princesa Prometida” (1987).
Usando a imaginação para compor as lacunas deixadas pelos relatos das testemunhas, o roteiro não se apoia em sua trama simplória, e sim na força de seus diálogos, cheios de ironias, para quem sabe o mínimo da história de Elvis e seu vício em medicamentos, e de Nixon, único presidente norte-americano que renunciou após o escândalo do Watergate – por isso a referência ao “Todos os Homens do Presidente” (1976) na cena da garagem.
O encontro dos dois acontece somente no terceiro ato, porém o caminho até lá é envolvente e rápido o suficiente para fisgar o público - a produção tem 86 minutos. No entanto, o momento tão esperado inclui performances e frases tão impagáveis, como a afirmação de Elvis de que a Casa Branca parecia a sua mansão Graceland, que o espectador pode pergunta-se então o porquê da dupla não estar no foco do filme antes.
Nixon aparece muito menos em cena, mas Spacey chega impressionando pela humanidade dada à figura, além dos trejeitos e da voz que imita. Condutor da narrativa, Shannon supera a desconfiança inicial da visível ausência de semelhança física com o cantor apostando na força do subtexto em sua interpretação.
Essa é uma aposta antiga que Liza Johnson já havia aplicado em “Amores Inversos” (2013), e que a cineasta repete aqui, mesmo com personagens mais espalhafatosos. Sua direção discreta, que se atém aos atores, ainda assim revela cenas significativas, como quando filma através de um espelho a confissão de Elvis ao amigo sobre o fato de as pessoas olharem apenas a imagem que têm dele e ele próprio não enxergar mais a si mesmo.
São respiros de realidade em uma ótima história que parece surreal demais para ser verdade.
(Por Nayara Reynaud, do Cineweb)
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