SÃO PAULO (Reuters) - Para fazer uma analogia com o próprio mundo que “A Vingança Está na Moda” aborda, o filme estrelado por Kate Winslet seria aquele modelito difícil de definir por sua mistura de elementos que, a princípio, traz uma surpreendente harmonia em sua diversidade, até que os ajustes de última hora exibem o exagero nos adereços e acessórios finais.
O novo longa de Jocelyn Moorhouse, cineasta australiana que volta após um grande hiato em sua carreira --sua última direção foi em 1997, com “Terras Perdidas”, e o derradeiro roteiro em 2002, com “Amor a Toda Prova”--, é uma fusão de gêneros beirando o absurdo até cair em um confuso abismo.
Adaptação do livro de Roselie Ham, publicado com grande sucesso na Austrália, em 2000, a produção traz para as telas o Outback, como é conhecido o interior desértico daquele país, por meio da fictícia Dungatar. É para lá que retorna a modista Myrtle Dunnage (Kate Winslet), para usar a linguagem corrente dos anos 1950, quando se passa a história.
Expulsa da pequena cidade quando criança, por acreditarem que matou o menino Evan Pettyman, filho do prefeito que fazia bullying com ela e outros colegas, “Tilly” reaparece com a intenção de descobrir o que aconteceu, já que não se recorda muito do incidente, mas tem certeza de sua inocência.
A vingança destacada no título brasileiro vem por meio dos vestidos criados pela estilista --os figurinos de Margot Wilson e Marion Boyce são obviamente um destaque na produção--, que primeiro a ajudam a atrapalhar o jogo de rúgbi local e depois promovem uma transformação na acanhada Gertrude Pratt (Sarah Snook) que parece fazer a população esquecer seu passado.
Mas muitas coisas ainda vão acontecer em sua estadia em Dungatar, especialmente na convivência conturbada com sua eremita e esquecida mãe, Molly (Judy Davis).
O roteiro escrito por Moorhouse com o marido P.J. Hogan, de “O Casamento de Muriel” (1994) e “Peter Pan” (2003), traz a sucessão de eventos do livro em uma combinação de melodrama com comédia screwball --ou maluca, na qual o inusitado dá o tom-- e toques de policial, noir e até faroeste.
A estranha miscelânea de gêneros, que parece compor uma unidade graciosa no início, se mostra não tão homogênea até entrar em descompasso no terceiro ato.
Se Jocelyn erra a mão na dose e abordagens, ao menos, tem em mãos um bom elenco para sustentar a trama em suas derrapadas. Mesmo longe das performances que lhe deram um Oscar e mais seis indicações, Winslet hipnotiza como uma verdadeira mulher fatal popularizada pelos filmes daquela época, como o clássico de Billy Wilder, “Crepúsculo dos Deuses” (1950), que sua protagonista vai ver com o jovem Teddy (Liam Hemsworth vivendo um interesse romântico bem diferente de seu Gale de “Jogos Vorazes”).
Aliás, quem os acompanha nesta ida ao cinema é a mãe dela, para Judy Davis, atriz recorrente de Woody Allen em longas como “Maridos e Esposas” (1992), mais uma vez roubar a cena com a louca lucidez que emprega em Molly.
À exceção do sargento Farrat (Hugo Weaving lembrando os tempos de “Priscilla, a Rainha do Deserto”, de 1994), policial crossdresser que esconde sua paixão por tecidos, Tilly enfrenta o desprezo e desconfiança de todos os outros habitantes da pequena Dungatar, tipos pintados em cores tão fortes quanto a fotografia de Donald McAlpine.
Com referências shakespearianas destacadas na menção à “Macbeth” e humor negro intenso, a obra envolve tanto o público nesta contraposição entre Tilly e este microcosmo de hipocrisia, que tem muito de real em seu absurdo, que não há como evitar uma ponta de contentamento com seu catártico clímax.
(Por Nayara Reynaud, do Cineweb)
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