SÃO PAULO (Reuters) - Pouco depois depois de sair do presídio, onde passou um ano e meio por posse de livros marxistas, a dra. Nise da Silveira (Gloria Pires) chega ao hospital psiquiátrico público onde trabalha, no Engenho de Dentro, no Rio. Bate uma vez no portão, ninguém ouve, ninguém abre. Bate novamente, e nada. Bate, bate até que começa a esmurrar o portão para ser ouvida, e, finalmente, entrar.
A cena abre “Nise – O Coração da Loucura” e sintetiza diversas simbologias: a primeira é de que ela não será facilmente aceita ali dentro; outra, que não será fácil entrar dentro da mente de seus pacientes, ou, como prefere chamá-los, clientes.
O lugar é o Centro Psiquiátrico Nacional Pedro II e está começando a aplicar técnicas que hoje são condenadas: o eletrochoque e a lobotomia. Assustada, Nise se opõe, e lhe entregam o setor de terapia ocupacional, relegado a um porão do prédio, para isolá-la num departamento todo seu e não incomodar a alta cúpula. O que a médica fez a partir de então foi revolucionar o tratamento psiquiátrico, buscando um trabalho mais humanista, mediado pela arte, criando um ateliê.
Seu primeiro obstáculo é o enfermeiro de seu departamento, Lima (Augusto Madeira, mais conhecido por seus papéis cômicos, num registro dramático aqui), acostumado ao tratamento brutal com os clientes - que, aliás, explora, numa espécie de luta clandestina de madrugada. Ao seu lado, a médica conta com uma enfermeira (Roberta Rodrigues) e outro enfermeiro que se interessa por artes (Felipe Rocha).
Dirigido por Roberto Berliner, experiente em documentários (“Herbert de Perto”), “Nise” beira o documental em seu retrato dos internos em seus variados problemas psíquicos e emocionais. Alguns deles, seja pela interpretação ou pelo personagem, ganham destaque, como Emygdio de Barros (Claudio Jaborandy); Adelina Gomes (Simone Mazzer); o mais violento deles, Lucio Noeman (Roney Vivela); Raphael Domingues (Bernardo Marinho); Octávio Inácio (Flávio Bauraqui); Fernando Diniz (Fabrício Boliveira) e Carlos Pertius (Julio Adrião). Adelina e Carlos, aliás, estão no documentário “Imagens do Inconsciente”, de Leon Hirszman, realizado entre 1983 e 1986, que conta com roteiro da própria médica, e acaba de sair em DVD.
Berliner registra essas figuras com o mesmo olhar carinhoso e curioso da dra. Nise. É pelos olhos dela, aliás, que o filme é contado. Numa época dominada pelo machismo, essa mulher ousou desafiar os padrões dos tratamentos psiquiátricos, sendo ridicularizada por seus próprios colegas de hospital, que a prejudicam quando seus métodos começam a dar resultados.
Gloria Pires encontra em Nise uma personagem à sua altura, que desafia padrões sociais e da psiquiatria. Numa interpretação contida, a atriz constrói uma pessoa engajada com seus pacientes e entusiasmada com os métodos que ela mesma está descobrindo. O filme, no entanto, toca apenas de forma superficial nas questões políticas da época.
(Por Alysson Oliveira, do Cineweb)
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