SÃO PAULO (Reuters) - Se é visível, pela atmosfera e os cenários - os desertos de Hijaz (hoje, Arábia Saudita) –, que a produção jordaniana “O Lobo do Deserto” é uma espécie de faroeste beduíno, seu naturalismo traduz igualmente uma intenção semidocumental. O filme concorre ao Oscar de filme estrangeiro no próximo dia 28.
Esse realismo, na verdade, foi uma opção incontornável para o diretor estreante Naji Abu Nowar, que acaba de vencer um Bafta como melhor estreante britânico (ele nasceu na Inglaterra, mas viveu entre esse país e a Jordânia).
Como teria que recorrer a atores amadores, beduínos de verdade que nunca haviam ido ao cinema, ele valeu-se de workshops, inspirados em técnicas dos brasileiros Augusto Boal e Guti Fraga (este, do grupo Nós do Morro e envolvido no filme “Cidade de Deus”). No processo, que consumiu cerca de oito meses, Nowar começou com 250 participantes, afinal reduzidos a onze.
Entre eles, está o admirável protagonista, o garoto Theeb (Jaci Eid), cujo olhar é imprescindível para transmitir a temperatura emocional da história, escrita por Nowar e Bassel Gandhour. O ano é 1916, durante a 1ª Guerra Mundial, também um período de revoltas árabes contra o império otomano e o colonialismo britânico.
Órfãos de pai, Theeb, seu irmão Hussein (Hussein Salameh) e seus outros irmãos convivem numa despojada fraternidade beduína, criando cabras no deserto. Uma noite, recebem a visita de um oficial britânico, Edward (Jack Fox), e seu intérprete, Marji (Marji Audah). Eles buscam um guia para percorrer uma velha trilha de peregrinos, que foi praticamente abandonada depois da implantação da ferrovia – que os locais chamam de “burro de ferro”.
A visão do estrangeiro e seus objetos misteriosos – um isqueiro, um relógio de bolso e uma misteriosa caixa – formam, na visão do menino, os primeiros sinais de transformação radical de seu mundo isolado e nômade.
A estrada de ferro, por sua vez, é o símbolo da tecnologia ocidental, que se impõe não só sobre a paisagem, mas também rompe um modo de vida milenar – com repercussões como o desemprego e marginalização dos guias de peregrinos, que se transformam em salteadores ao longo da trilha, agora pouco frequentada.
Hussein aceita a missão de guiá-los neste caminho perigoso, cercado de rochas tortuosas, cânions labirínticos em que se pressente o perigo de um ataque iminente. É notável como o filme constrói essa expectativa em torno do pequeno grupo de viajantes, ao qual Theeb acabou incorporado a contragosto – ele os seguiu secretamente e agora não há como voltar atrás.
De todo modo, um dos grandes temas é a jornada de amadurecimento de Theeb que, em determinado momento, vai ter que contar apenas consigo mesmo para sobreviver. Ele ficou isolado num impasse, tornado mais dramático depois do aparecimento de um estranho ferido (Hassan Mutlag).
Agora a sorte do menino depende de uma tensa negociação, reveladora da interdependência entre ambos para lidar com os fatores essenciais naquele ambiente - água (que só existe em poços profundos), comida, esconderijo e transporte, que consiste de um único camelo. O grande trunfo do filme é o equilíbrio desta intensidade através do preciso controle dos elementos de uma narrativa minimalista e de apelo universal.
(Por Neusa Barbosa, do Cineweb)
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