SÃO PAULO (Reuters) - “Zootopia” deve ser a animação mais ambiciosa do ano – ao menos, em termos de temática. Nela, a Disney (quem diria!) trata de políticas raciais, entre outros assuntos, ainda que com certa ingenuidade. Protagonizado por uma coelha e uma raposa (dupla que já serviu para ilustrar fábulas infantis, espirituais e até para o mundo corporativo), o longa se passa na cidade-título, uma espécie de utopia animal, na qual todos os mamíferos vivem harmoniosamente, superando seus instintos de caça.
A divisão presa e predador foi deixada de lado por meio de uma condução social pautada pelo respeito às diversidades e integração. O sufocamento dos instintos “assassinos” de certas espécies, no entanto, tem um preço, e este é cobrado quando animais desaparecem sem qualquer explicação, o que ameaça todo o projeto de Zootopia.
Judy Hopps é uma coelha pequena e esperta que, com esforço e graças à sua esperteza, se forma com louvor na Academia de Polícia, e é mandada para Zootopia. A chegada à cidade grande causa espanto e fascínio. É um mundo completamente diferente daquela horta onde cresceu com os pais e os irmãos. A carreira, no entanto, não sai como planejado, pois é transformada numa guarda de trânsito – ao invés de perseguir bandidos, como esperava.
“Zootopia”, no entanto, ganha ares de policial noir, quando a coelha conhece a raposa Nick Wild, malandro esperto que ganha a vida aplicando pequenos golpes. Por conta daquelas coisas que só existem em filmes, os dois são obrigados a agir juntos, e começam a investigar o desaparecimento de mais de uma dezena de mamíferos.
Dirigido por Byron Howard e Rich Moore – que assinam o roteiro com o codiretor Jared Bush –, “Zootopia” observa as questões raciais de forma delicada e, de certo modo, didática, pois mira no seu público infantil. Judy é uma idealista e nessa cidade “cada um pode ser o que quiser” – embora isso pareça ser apenas o combustível para se sonhar.
A investigação pode ameaçar o projeto de reeducação para convivência pacífica – se, de todo, não mostra o fracasso da política de inclusão de mamíferos, revela ao menos que existem brechas e que o processo não é tão orgânico quanto parecia.
Quanto mais a investigação se aprofunda, mais “Zootopia” referencia filmes policiais como “Chinatown” e “Los Angeles – Cidade Proibida” – e a trilha sonora de Michael Giacchino só aumenta a sensação de estarmos vendo um noir ultracolorido. Mas as referências também remetem, em alguns dos melhores momentos do longa, a “O Poderoso Chefão”.
“Zootopia” é uma fantasia liberal que incentiva tanto a inclusão quanto a discussão, mas não se restringe às questões das políticas raciais, mas também de gênero. Qual a maior dificuldade que Judy tem de enfrentar: por ser da espécie coelho ou por ser uma fêmea? Existe sutilmente também essa problemática em meio às correrias do longa.
A convivência harmônica dos animais depende, no entanto, de delicados contratos sociais que tentam lidar exatamente com a aceitação, celebrando assim a diversidade. “Zootopia” é ingênuo em alguns momentos, mas não o tempo todo, sendo capaz de mostrar que políticas raciais (aqui, no caso, “de espécies”) podem ser falhas ao lidar apenas com o que está na superfície, sem discutir a estrutura.
(Por Alysson Oliveira, do Cineweb)
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