SÃO PAULO (Reuters) - Uma das primeiras imagens que se vê em “A Despedida” é a de um despertador. Mais tarde, outra vez, uma parede cheia de relógios, na qual praticamente todos marcam a mesma hora. O tempo – o que passou e o que resta – é, então, a tônica do filme de Marcelo Galvão (“Colegas”). O protagonista é um almirante nonagenário, interpretado por Nelson Xavier, para quem um dia poderá resumir a sua vida.
O roteiro, assinado também pelo diretor, acompanha essa jornada do almirante, que tem dificuldades para andar, mas mesmo assim, faz questão de sair de casa sozinho, ignorando os apelos do filho e da nora. Os primeiros minutos do longa chegam a ser aflitivos, com um som abafado (algo que muda e se explica logo em seguida), e acompanham o duro ritual do personagem para sair da cama, barbear-se, banhar-se e vestir-se sem ajuda de ninguém.
A partir de então, ele sai para a rua. Sua jornada não tem nada de épica, é intimista, além de uma tentativa de acertar contas com o passado, preparar o futuro. O almirante, cujo nome não sabemos, encontra outros personagens que o ajudam em seus propósitos, como uma moça desconhecida, um taxista e um trio de adolescentes que fumam maconha numa praça. Esses funcionam mais como tipos e servem apenas para alguns propósitos.
Por mais que o almirante se esforce em dizer que aquele dia não é sua despedida, o filme parece insistir no contrário: vemos um homem debilitado e frágil no rito de reparar erros e ajeitar o porvir. São pequenas cenas – como num bar onde tinha uma dívida, ou com um antigo amigo com quem brigara – que dão o tom da vida do protagonista.
A única personagem de maior destaque, além do almirante, é sua jovem amante – chamada por ele de Morena e interpretada por Juliana Paes. Os dois não se veem há alguns meses, e ela aparenta nem saber o paradeiro dele. O reencontro acende a chama, mas enfrentam uma dificuldade: fisicamente, ele não tem o mesmo vigor de sua mente, que segue praticamente inabalada.
Xavier e Juliana – assim como o diretor e a fotografia, assinada por Eduardo Makino – foram premiados no Festival de Gramado em 2014. Realmente, eles são a alma do filme, cujo desenvolvimento esbarra em alguns tropeços (alguns personagens secundários, por exemplo, poderiam ser mais desenvolvidos, assim como alguns dos encontros do almirante com eles). Mas, ao mesmo tempo, ganha ao mostrar uma faixa etária que raramente é tema do cinema brasileiro.
(Por Alysson Oliveira, do Cineweb)
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