SÃO PAULO (Reuters) - Dirigir "118 dias", a adaptação cinematográfica das memórias da prisão do jornalista iraniano Maziar Bahari, "Then they came for me", publicadas em 2011, não pareceria, à primeira vista, uma missão sob medida para a estreia cinematográfica do ator, produtor e apresentador do programa humorístico "The Daily Show", o norte-americano Jon Stewart.
Movido, pelo que ele diz, mais por impaciência de ver a história contada, Stewart tirou uma folga de seu programa de sucesso – onde costuma fazer sátiras impiedosas aos políticos – para abraçar uma trama de perseguição, tortura e repressão, em que os momentos de humor decorrem apenas do ridículo de algumas situações, ironicamente reais.
Bahari (representado pelo ator mexicano Gael Garcia Bernal) é um jornalista iraniano, que estudou no Canadá e mora em Londres em 2009, ano de eleições no Irã. Concorre à reeleição o presidente linha-dura Mahmoud Ahmadinejad, mas o opositor reformista, Mir Hussein Mussavi, parece ter grandes chances de vencer.
O jornalista volta a Teerã para cobrir as eleições, como freelancer para a revista "Newsweek" e outros órgãos de imprensa ocidentais. Descobre um país em plena turbulência, com jovens entusiasmados pela mudança representada por Mussavi.
No entanto, prepara-se uma fraude eleitoral a favor de Ahmadinejad, provocando enormes protestos nas ruas da capital iraniana. Com sua câmera, Bahari capta imagens da violenta repressão contra os manifestantes, que correm o mundo. Logo depois, é preso na casa de sua mãe (Shohreh Aghdashloo).
As melhores sequências do filme, e que são a sua razão de existir, estão nessa prisão, em que se desenrola um duelo surdo entre o prisioneiro, em boa parte do tempo mantido vendado e solitário em sua cela, e seu carcereiro e torturador (Kim Bodnia) – cujo nome ele não sabe, mas apelidará de "Rosewater" (água de rosas) devido ao seu perfume.
Em sua estreia como diretor, Stewart mantém um estilo enxuto, sem floreios. Fecha o foco numa situação de medo e dominação, em que o guarda espanca e ameaça Bahari e procura levá-lo a crer que está completamente só e indefeso – o que não é verdade, porque sua prisão causou mobilização internacional, que certamente foi decisiva para sua liberação, após quatro meses detido sem processo formal, acusado vagamente de "espionagem" e "sionismo".
Quebram o realismo da história algumas sequências em que o jornalista "conversa" com dois fantasmas – seu pai (Haluk Bilginer) e sua irmã (Golfishteh Farahani), que também foram presos políticos em épocas diferentes, ele do xá Reza Pahlevi, ela do regime do aiatolá Khomeini. As aparições têm uma função narrativa, tornando-se um eloquente recurso para ilustrar o fortalecimento da resistência psicológica e política de Bahari.
Os momentos de humor que permeiam um filme, na essência, sério, estão justamente nos diálogos que revelam o ridículo das acusações e a própria ignorância do carcereiro – especialmente quando o prisioneiro o convence de que viveu mirabolantes aventuras sexuais.
(Por Neusa Barbosa, do Cineweb)
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