SÃO PAULO (Reuters) - No segundo filme da série “Cinquenta Tons de Cinza”, “Cinquenta Tons Mais Escuros”, Anastasia (Dakota Johnson) e Christian Grey (Jamie Dornan) decidem que não haverá mais regras, nem castigos ou segredos.
O diretor James Foley, a autora dos romances originais, E. L. James (aqui também como produtora), e seu marido e roteirista, Niall Leonard, também decidiram que não haverá mais trama, personagens desenvolvidos ou erotismo – coisas pálidas no primeiro filme, mas, ao menos, existentes.
A essa altura, Anastasia (um nome cuja pronúncia em inglês parece “anestesia”, o que deve explicar o torpor sorumbático com que atravessa os dois filmes) já descobriu o Quarto Vermelho, o que há lá dentro, mas estabeleceu limites com um contrato. Aqui, rasga-se o contrato, mas ela ainda não está confortável para se entregar totalmente a Christian Grey (um nome que evoca uma moral cristã dúbia).
Se o primeiro longa termina com a separação abrupta dos amantes, não demora muito para estarem juntos novamente aqui, e ele promete contar tudo sobre seu passado para ela. Entram então doses explícitas de freudismo primário. Logo na primeira cena, vemos o pequeno Christian com uma máscara de cowboy (olha só de onde vem a obsessão por máscaras!) escondendo-se debaixo da mesa para não ser abusado fisicamente com um cigarro por um namorado da mãe, viciada em crack.
Mais tarde, também ficamos sabendo, junto com Anastasia, que ele presenciou a morte da mãe por overdose e foi adotado pela doutora Grace (Marcia Gay Harden) e sua rica família Grey.
O diretor Foley – que tem no currículo “Quem é Essa Garota?” e “O Sucesso a Qualquer Preço”- tenta imprimir um tom mais de suspense do que erótico nesta sequência. Talvez fosse um acerto – vide o erotismo pudico do primeiro filme – mas sua direção é incapaz de superar as situações estapafúrdias, os diálogos constrangedores e a canastrice de Dornan. Dakota, que é boa atriz, não tem como vencer as limitações do papel de uma garota um tanto tola e cegamente apaixonada.
Duas personagens introduzidas neste filme têm um potencial de mistério, mas são facilmente descartadas. A primeira delas é Leila (Bella Heathcote), ex-submissa de Grey, que transtornada com a morte do marido, quer o lugar de Anastasia. A garota tem duas ou três cenas e todas foram incluídas no trailer do filme, frustrando qualquer surpresa.
Menos sorte ainda tem Kim Basinger, como Elena Lincoln (também conhecida como Mrs. Robinson), amiga de Grace que iniciou Grey no arte do sadomasoquismo. Musa do clássico erótico dos anos de 1980 “9 ½ Semanas de Amor”, a atriz protagoniza aqui uma cena digna de novela mexicana, com direito a drinque no rosto e bofetada.
O que, a priori, mais deveria chamar a atenção no filme – as cenas de erotismo e sexo selvagem – não tem pegada, pois falta química entre os atores. A compreensão sobre o processo do desejo que poderia – e deveria! – ser mais sinistra ou sombria é esquálida e sem graça. O que há em Grey que atrai tanto Anastasia? Do jeito como a relação deles é mostrada, é apenas o dinheiro. Um MacBook e um IPhone novos compram a paixão.
O romance austríaco “A Vênus das Peles”, de Leopold von Sacher-Masoch, publicado em 1870, é menos pudico e mais ousado do que os dois filmes da série “Cinquenta Tons”. Naquele livro, fundador do masoquismo, um sujeito quer ser o escravo de sua dama. Aqui, mais interessa o contrato que estabelecem do que a relação em si. Ele será propriedade de sua dona, que, por sua vez, deverá usar peles todas as vezes que o estiver punindo. A dor e exasperação são consentidas, são contratuais, por isso o masoquismo tem mais a ver com consentimento do que punição. A ideia é de uma liberdade total, na qual o escravo abre mão de sua liberdade.
É um paradoxo, aliás, muito parecido com um materializado na sociedade contemporânea – especialmente nas relações de classe e trabalho. E classe e trabalho permeiam todo o subtexto de “Cinquenta Tons Mais Escuros”. Grey é muito mais rico do que Anastasia, a ponto de comprar (se quiser) a pequena editora onde ela encontrou seu primeiro emprego depois de formada em Literatura Inglesa.
O primeiro filme, “Cinquenta Tons de Cinza”, dirigido por Sam Taylor-Wood a partir de um roteiro de Kelly Marcel (drasticamente modificado pela autora do livro, conforme dito em diversas entrevistas), aspirava a algo um tom acima da prosa rasa do romance original. Mais do que isso, dava voz à personagem feminina. Neste segundo, escrito e dirigido por dois homens, isso está longe de acontecer. E a parceria se repetirá no terceiro e derradeiro longa, já filmado, e cujo teaser aparece no final dos créditos finais deste, embora nem seja necessário ter lido os livros para saber onde tudo isso vai dar.
(Por Alysson Oliveira, do Cineweb)
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