SÃO PAULO (Reuters) - Fúsi (Gunnar Jónsson) é uma contradição ambulante. Sua altura e volume contrastam inteiramente com sua suavidade e timidez. Ele tem 43 anos, vive com a mãe e tem um único amigo (Sigurjon Kjartansson) que, ao contrário dele, casou-se e tem filhos. Mas os dois ainda compartilham um velho hobby – as miniaturas de soldados e tanques, com que eles povoam uma enorme reconstituição de uma das batalhas da Segunda Guerra Mundial.
Este é o cenário do filme “Desajustados”, uma coprodução entre a Islândia e a Dinamarca que venceu três prêmios no Festival de Tribeca em 2015 – melhor narrativa, roteiro e ator (Jónsson).
Certamente, a obra escrita e dirigida por Dagur Kári, diretor nascido na França e criado no país natal dos pais, a Islândia, tem um charme de filme independente. E, felizmente, uma história que também escapa do destino fatal de certos clichês.
A timidez e suavidade de Fúsi, por exemplo, é estonteante, chegando ao cúmulo da passividade. Ele não reage, nem denuncia seus colegas no trabalho, na manutenção de um aeroporto, por bullying. Parece uma criança enorme, inclusive quando se relaciona com crianças, como a menina Hera (Franziska Una Dagsdóttir), uma nova vizinha solitária a quem ele eventualmente faz companhia, enquanto o pai dela não volta do trabalho.
O mundo lá fora não é fácil e Fúsi prefere fechar-se em sua zona de conforto, a própria casa. Mas até ali existe agora um elemento novo e perturbador – sua mãe (Margrét Helga Johansdóttir) arrumou um namorado, Rolf (Arnar Jónsson). Este homem logo identifica o problema de Fúsi, a enorme solidão. Para o que ele encontra uma inusitada solução, dando-lhe de presente de aniversário a matrícula num curso de dança country, além de um chapéu de cowboy.
Neste detalhe, sobressai uma ironia em relação ao cinema norte-americano – no qual o diretor Kári realizou um filme, “O Bom Coração” (2009). Evidentemente, o curso de dança remete à esperança do encontro de uma mulher, o que acontece, embora não da maneira idealizada, comum às tramas românticas. A moça, Sjöfn (Ilmur Kristjánsdóttir), é amistosa, mas há que se esperar algum problema pessoal (como o título brasileiro antecipa).
O diferencial da produção nórdica, no entanto, está em não sucumbir aos caminhos fáceis e previsíveis da comédia romântica, nem do drama envolvendo pessoas com fragilidades emocionais. Com a sensibilidade treinada pela média da produção de Hollywood, boa parte do público poderá até esperar grandes tragédias no caminho de Fúsi, todas possíveis.
Mas o roteiro, também assinado pelo diretor, constrói trajetórias realistas que passam ao largo de redenções mágicas e banhos de sangue. Assim, afirma a doçura do protagonista, capaz de pairar sobre um mundo truculento com uma irresistível fidelidade ao próprio coração.
(Por Neusa Barbosa, do Cineweb)
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