SÃO PAULO (Reuters) - Trazendo no elenco a vencedora do Oscar 2017 como melhor atriz coadjuvante, Viola Davis, o drama “Um Limite Entre Nós” tem em sua origem teatral sua grande força dramática.
Escrita pelo dramaturgo August Wilson (1945-2005) e vencedora do prêmio Pulitzer em 1987, a peça original é um primor de profundidade no seu retrato da América negra proletária de meados dos anos 1950.
Denzel Washington, que dirige e protagoniza o filme, também interpretou na remontagem de 2010 – que deu a ele e também à colega Viola o prêmio Tony -, um dos personagens mais magnéticos e contraditórios do teatro norte-americano, Troy Maxson.
Lixeiro em Pittsburgh, em 1957, Troy vive uma meia-idade estabelecida em torno de muitas revoltas. A pior delas, não ter tido condições de abraçar uma carreira como jogador de beisebol, o que ele atribui ao racismo. Diversos obstáculos, sem dúvida, cortam sua trajetória até agora, como a luta para tornar-se o primeiro negro motorista do caminhão de lixo da empresa onde trabalha.
Com suas sofisticadas modulações de voz e linguagem corporal afinada, Denzel encarna um homem forte e altivo em seus 53 anos, ainda que castigado pela vida, exibindo contradições que o filme faz saltar aos poucos. Ele se define especialmente nos longos diálogos com a mulher, Rose (Viola Davis), um misto sutil de doçura, conformismo e uma rebelião pronta a disparar nos momentos que ela julga convenientes.
Neste duelo sutil entre marido e mulher de longo tempo, arma-se todo um contexto histórico e social das relações entre homens e mulheres naqueles dias, confrontados com um contexto racial e social desfavorável. O jogo entre os dois atores é tão fluido de modo a fazer notar a maestria dos diálogos de Wilson, que concluiu o roteiro do filme antes de morrer, de câncer, em 2005.
Deste pequeno universo, tornado mais claustrofóbico porque quase sempre confinado à pequena casa dos Maxson, fazem parte ainda outros personagens: o filho adolescente do casal, Cory (Jovan Adepo), que encontra no pai um adversário invencível na oposição à sua tentativa de uma carreira no beisebol universitário; o filho mais velho, Lyons (Russell Hornsby), um músico que eventualmente pede dinheiro e é humilhado pelo pai; o vizinho e amigo Bono (Stephen McKinley Henderson), com quem Troy divide muito mais do que a mesma história e o mesmo emprego; e o irmão de Troy, Gabriel (Mykelti Williamson), ex-soldado que sofreu dano cerebral em batalha na 2ª Guerra Mundial.
Dizer que o enredo tem andamento teatral não é, como se pensaria à primeira vista, criticar seu ritmo – é afirmar que a história serve aos seus personagens antes de todas as coisas e o faz com honestidade, ternura e humor, em várias situações.
Mas também sem medo da exposição da tragédia, da amargura e das consequências da rigidez. Entre sombra e luz, “Um Limite Entre Nós” pontua o retrato de uma família com um realismo encharcado de lucidez e possibilidade de identificação universal.
(Por Neusa Barbosa, do Cineweb)
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