Por Ricardo Brito
BRASÍLIA (Reuters) - O governo federal começará nesta semana uma megaoperação para expulsar garimpeiros, desmatadores e outras pessoas que promovem atividades ilegais dentro da Terra Indígena Munduruku, disse à Reuters o coordenador da ação, que será realizada em uma região historicamente conflituosa no sudoeste do Pará que passa por problemas de contaminação de rios por mercúrio.
A ação, tecnicamente chamada de desintrusão, vai envolver 20 órgãos federais como a Fundação Nacional do Índio (Funai), o Ministério da Defesa, a Força Nacional e a Casa Civil, que coordena a operação, disse Nilton Tubino, uma das principais autoridades do governo federal nos processos de mediação de conflitos e de desintrusão em terras indígenas, tendo coordenado também a ação no território Yanomami.
A TI Munduruku tem quase 2,4 milhões de hectares, praticamente do tamanho da ilha italiana da Sardenha e maior que o Estado de Sergipe. O território abriga os povos indígenas Munduruku, Apiacá e indígenas isolados do Alto Tapajós que habitam 61 aldeias.
A maior pressão externa sobre a localidade está relacionada ao garimpo ilegal, mas o desmatamento também é um fator de risco, segundo nota técnica do Centro Gestor e Operacional do Sistema de Proteção da Amazônia (Censipam), órgão do Ministério da Defesa.
Segundo o estudo, a atividade de mineração ilegal ocorre principalmente ao longo dos rios Tapajós, Cabitutu e das Tropas.
"Ao todo existem 21 pistas de pouso que apoiam o garimpo e estão localizadas em áreas de acampamento ou isoladas. Algumas áreas de garimpo e pistas estão próximas de Comunidades Indígenas (aldeias)", constatou a nota, obtida com exclusividade pela Reuters.
O garimpo ilegal avançou fortemente sob o mandato do então presidente Jair Bolsonaro, que afrouxou controles ambientais e incentivou atividades de mineração principalmente na região amazônica. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva assumiu em janeiro de 2023 com o discurso de barrar esse tipo de exploração.
A intenção da operação na TI Munduruku é retirar os invasores e impedir que as atividades de exploração de minério e madeira retornem após a ação do governo federal, segundo Tubino. Ele prefere não dar um prazo para toda a operação e antecipa que haverá uma estrutura federal permanente após o momento inicial da ação.
A intenção também é atuar ao redor da terra indígena, com o apoio de órgãos de fiscalização para asfixiar o suprimento das atividades de garimpo de ouro e extração de madeira, acrescentou.
Tubino afirmou que a desintrusão na TI Munduruku tem características diferentes da ação feita na TI Yanomami, em Roraima, porque entre os Munduruku há um envolvimento razoável de indígenas, inclusive de algumas lideranças, com o garimpo ilegal, segundo ele.
"Talvez lá as reações vão ser um pouco mais agressivas... então a gente vai também dosando para ver como vai começar a operação. Não temos nenhum interesse que tenha um conflito", disse o coordenador da operação por telefone.
"O grande desafio vai ser o componente político, a relação com a prefeitura e a sociedade, vai nos exigir certa articulação", acrescentou.
POLUIÇÃO POR MERCÚRIO
A nota do Cenispam apontou que a TI Munduruku é a segunda área indígena com maior atividade de garimpo ativo e consolidado no Brasil, com 18,8%, à frente da Yanomami (13,2%) e só atrás da TI Kayapó (47,3%), no sul do Pará, que, segundo Tubino, também será objeto de desintrusão no próximo ano.
O levantamento fez um recorte temporal entre janeiro de 2022, ainda no governo Bolsonaro, até outubro deste ano sobre a atividade de mineração na região. O estudo constatou uma intensa atividade em 2022 por meio de alertas de novas áreas de garimpo (388), mas a partir de 2023 houve uma redução do número de alertas (128), acentuando-se neste ano (23).
A localidade tem registrado sucessivos episódios de conflitos entre indígenas e garimpeiros, que inclusive já resultaram em mortes.
Autoridades também têm apontado uma preocupação com a poluição dos rios amazônicos por mercúrio, metal altamente tóxico que é usado na extração ilegal do ouro. Reportagens da Reuters nos últimos anos têm alertado para o uso indiscriminado do metal, que também envenena os peixes que alimentam os Munduruku com níveis de concentração no corpo que podem levar à morte.
"Outro efeito grave ao meio ambiente na região é a poluição dos rios devido ao incremento de resíduos do processo de mineração, principalmente o mercúrio, e a escavação que retira terra/areia de seus leitos", disse a nota técnica da Cenispam.
"Cabe ressaltar que as águas dos rios também são utilizadas para o consumo humano (indígenas) e animal. O uso dessa água contaminada pode causar doenças e até a morte, além da contaminação do solo e mortandade de peixes, item importante da dieta dos povos originários", ressaltou.
O estudo conclui que, apesar de reduções significativas nos últimos dois anos, é preciso coibir e monitorar as atividades ilícitas de mineração e desmatamento que ocasionaram sérios danos ambientais e prejuízos aos munduruku. Defende também que ao mesmo tempo se adotem medidas para recuperação ambiental e ajuda humanitária aos indígenas.
A operação na TI Munduruku será a quinta de desintrusão do atual governo, que busca atender à determinação do Supremo Tribunal Federal (STF) de retirada de invasores de todas as terras indígenas e orientação do presidente Lula, segundo Tubino.