Por Anna Flávia Rochas e Leonardo Goy
SÃO PAULO/BRASÍLIA (Reuters) - O governo federal não deveria esperar que o nível das represas de hidrelétricas caia a 10 por cento para iniciar uma campanha para redução de consumo de energia no Brasil, já que a esse nível o risco para o fornecimento de eletricidade é maior, segundo especialistas do setor.
O ministro de Minas e Energia, Eduardo Braga, admitiu na semana passada que o país precisaria de um racionamento de energia caso o nível de água das represas caísse a 10 por cento. Mas esperar que os reservatórios cheguem a esse patamar para tomar uma medida de economia de energia pode não garantir a recuperação das represas e eleva o risco de apagões, disseram analistas e observadores do setor.
Representantes do Ministério de Minas e Energia não puderam comentar o assunto nesta terça-feira.
Porém, dentro do governo federal, a expectativa é que os reservatórios do Sudeste e Centro-Oeste cheguem em abril com cerca de 30 por cento da capacidade de armazenamento. Esse patamar, segundo uma fonte do governo, seria suficiente para as represas atravessarem o tradicional período de estiagem e chegarem a novembro, quando em tese voltam as chuvas, ainda acima do limite de 10 por cento.
Entretanto, previsões para a situação dos reservatórios das hidrelétricas do Sudeste do país em janeiro pioraram e as condições do período úmido atual têm se mostrado mais desfavoráveis do que no ano passado, frustrando expectativas iniciais de meteorologistas e do setor elétrico.
Atualmente, o nível médio das represas da região Sudeste, que concentra alguns dos principais reservatórios de hidrelétricas do país e é o maior centro de consumo de eletricidade do país, está em 17,07 por cento, marca que já representa riscos, segundo os especialistas. Vários reservatórios da região já exibem nível zero, segundo dados do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS).
A região Nordeste, em pior situação, tem o nível das represas em 16,88 por cento.
Em 2001, o nível das represas do Sudeste estavam em 32,18 por cento ao final do período chuvoso, em abril, sendo que em meados desse mês foi iniciada uma campanha publicitária oficial para pedir à população que economizasse energia elétrica.
Em junho daquele ano, o governo federal decretou o racionamento de energia elétrica, com o objetivo de reduzir o consumo em 20 por cento. Antes do racionamento, ao final de maio, o nível das represas do Sudeste estava a 29,69 por cento.
Atualmente, o sistema elétrico brasileiro tem maior capacidade de geração e de transmissão de energia entre as regiões do país. Mas o corte de energia orquestrado pelo ONS na semana passada, atingindo as regiões Sudeste, Centro-Oestre e Sul mostra que o sistema já pode enfrentar problemas em momentos de pico de consumo de energia.
IMPRUDÊNCIA
O nível mínimo em que uma hidrelétrica pode operar varia de usina para usina, segundo o professor Luiz Pinguelli Rosa, diretor do centro de pós-graduação e pesquisa de engenharia (Coppe) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Segundo ele, algumas usinas até conseguem operar abaixo dos 10 por cento, mas os reservatórios já deveriam estar sendo poupados por meio do incentivo à economia de energia.
"Acho uma imprudência o que estamos fazendo, esses reservatórios deveriam ter sido poupados desde 2013 já e atravessamos 2014 forçando os reservatórios. O que o governo tinha que fazer agora é decretar um racionamento ou política de economia para alertar a população...17 por cento já é um nível alarmante", disse ele.
Quando o nível das represas está muito baixo, a partir de um determinado nível mínimo, manter a operação de hidrelétricas pode inclusive gerar danos para as turbinas. Além disso, o nível baixo reduz a eficiência das máquinas para geração de energia para atender os horários de pico de consumo, dizem especialistas.
O diretor do Centro Brasileiro de Infra Estrutura (Cbie), Adriano Pires, também considera que governo federal deveria tomar providências a partir de agora. Ele acredita que é perigoso deixar os reservatórios chegarem ao limite. "Quanto mais você chega ao fundo do reservatório, mais difícil será sua recuperação", disse.
O presidente da Comerc Energia, Cristopher Vlavianos, avalia que se as represas de hidrelétricas chegarem a 10 por cento, o setor elétrico já estará com problemas e que é preciso medidas preventivas. "A gente precisa ver como conseguimos terminar o período úmido. Dependendo de como terminar, pode ser que chegue em 10 por cento, por exemplo, em junho, ainda no meio do período seco", alertou.
Segundo ele, previsões exatas de chuva para o restante do período úmido tendem a ser imprecisas, diante das rápidas mudanças das condições metereológicas, mas a tendência é que o período úmido continue ruim, considerando que ele já começou como um dos piores do histórico.
O diretor da consultoria PSR Luiz Augusto Barroso avalia que para se decretar um racionamento de energia, deve-se avaliar a situação como um todo do sistema e não apenas o nível de reservatórios de uma determinada região. Para ele, uma medida para incentivar a economia de energia, no entanto, já deveria ocorrer.
"Em uma situação crítica, quanto mais tarde um processo de economia for iniciado, mais severo ele deverá ser", disse ele, que sugere que esse momento de forte aumento de tarifas de energia também fosse usado para incentivar os consumidores a economizar energia. "Poderíamos aproveitar para avisar que vai doer no bolso e pedir colaboração. No ano passado, poderíamos ter ido à TV para estimular o uso racional da energia. Todo mundo ganha com isso."