O presidente da Venezuela, Nicolás Maduro (Partido Socialista Unido da Venezuela, esquerda), foi reeleito para mais um mandato de 6 anos nas eleições de domingo (28.jul.2024). O chavista está no poder desde 2013. A posse do venezuelano será em janeiro de 2025. O anúncio foi feito pelo CNE (Conselho Nacional Eleitoral), por volta das 1h15 (horário de Brasília) desta 2ª feira (29.jul).
Com 80% das urnas apuradas, Maduro obteve 51,2% dos votos (5.150.092), contra 44% (4.445.978) do candidato da oposição, Edmundo González Urrutia (Plataforma Unitária Democrática, centro-direita). Outros candidatos obtiveram 462.704, com 4,6% dos votos.
A vitória de Maduro representa uma manutenção do chavismo na Venezuela. O movimento político é associado ao ex-presidente Hugo Chávez, que governou o país de 1999 a 2013. Depois da morte de Chávez, em março de 2013, o líder venezuelano se tornou o sucessor da ideologia.
Os defensores veem o chavismo como um movimento revolucionário que visa a construir uma sociedade mais justa e equitativa. No entanto, há críticas por centralizar o poder nas mãos do presidente –Maduro é considerado autoritário– e por levar o país a uma crise econômica.
A campanha eleitoral de Maduro foi marcada por polêmicas que se popularizaram internacionalmente. O presidente foi acusado de impedir duas candidatas da oposição, de María Corina Machado, líder dos opositores, e de Corina Yoris, ambas da Plataforma Unitária Democrática, de concorrer ao pleito.
Em 24 de abril, foi criticado depois de divulgar uma cédula de votação na qual sua foto e nome apareciam 13 vezes. Em resposta, disse que o sistema era baseado no desempenho dos partidos nas eleições parlamentares.
Durante a campanha, Maduro deu declarações se comprometendo publicamente a respeitar os resultados do pleito em resposta à preocupação de parte da oposição e de observadores internacionais quanto à integridade do processo eleitoral. No entanto, afirmou que González planejava um golpe De Estado.
Além disso, fez discursos, na reta final da campanha, que sugeriram que não aceitaria caso o candidato da oposição vencesse as eleições. Em 18 de junho, por exemplo, disse que o país poderia acabar em “banho de sangue” e “guerra civil” com a sua derrota.
Na avaliação de Thaís Batista, pesquisadora do OPSA (Observatório Político Sul-Americano), a Venezuela não é considerada uma ditadura, apesar de Maduro ter se mostrado um líder autoritário.
“A intervenção em partidos da oposição é outro exemplo claro de uma posição autoritária. A Venezuela está passando por um processo de erosão da sua democracia, mas ainda existem eleições”, disse ao Poder360.
Com a vitória, Maduro comandará o Executivo até 2030, totalizando 17 anos como presidente da Venezuela. Thaís Batista avalia que a reeleição do líder venezuelano no país reflete as consequências do rompimento do regime, no qual as elites tradicionais estavam no poder.
“O sucesso da manutenção do PSUV [Partido Socialista Unido da Venezuela] no poder por tanto tempo pode ser atribuído a essa questão das políticas sociais adotadas durante os governos de Chávez e de Maduro, que formaram uma grande base de pessoas que apoiam o governo até hoje”, afirmou a pesquisadora.
Apesar da vitória nas eleições, o governo de Nicolás Maduro enfrenta forte críticas, principalmente em relação à economia.
QUEM É NICOLÁS MADURO
Além de comandar o Executivo há 11 anos, o presidente tem uma extensa carreira política. Participa de movimentos de esquerda desde a juventude por influência do pai, Nicolás Maduro García.
Nascido em 23 de novembro de 1962 em Caracas, Nicolás Maduro Moros trabalhava como motorista do Metrobús, na capital, antes de seguir a carreira política. Atualmente é casado com Cilia Flores, ex-advogada de Chavéz e atual deputada do PSUV. Tem um filho do 1º casamento, Nicolás Maduro Guerra.
O líder venezuelano passou a aprofundar sua participação em movimentos sindicais quando se envolveu no Conselho de Administração. Mais tarde, fundou o Sindicato do Metrô de Caracas.
A carreira política ganhou impulso nos anos 1990, com envolvimento no MBR-200 (Movimento Revolucionário Bolivariano 200). O grupo tentou, sem sucesso, derrubar o presidente Carlos Andrés Pérez em 1992, o que resultou na prisão de Hugo Chávez, então líder do MBR-200.
Depois de Chávez assumir a presidência em 1999, Maduro ingressou na política no mesmo ano. Tornou-se integrante da Assembleia Nacional Constituinte, contribuindo para a criação de uma nova Constituição, que está em vigor no país até a atualidade.
Foi deputado da Assembleia Nacional Constituinte e presidente da Assembleia Nacional. Em 2006, tornou-se ministro das Relações Exteriores da Venezuela.
Em 2012, chegou ao cargo de vice-presidente, assumindo a presidência em 2013 depois do falecimento de Chávez. No total, são 25 anos inserido no contexto político venezuelano.
LEGITIMIDADE DA REELEIÇÃO
As eleições venezuelanas são vistas com grande desconfiança por autoridades internacionais. O país recebeu observadores para avaliar o pleito, incluindo integrantes da ONU (Organização das Nações Unidas) e do Carter Center nos Estados Unidos. Inicialmente, o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) iria acompanhar o processo, mas desistiu depois de Maduro criticar o sistema eleitoral brasileiro.
Em março, o CNE anunciou ter convidado a Celac (Comunidade dos Estados Latino-Americanos e Caribenhos), Caricom (Comunidade do Caribe), União Africana, União Europeia, especialistas da ONU, Brics e o Centro Carter para observar o pleito. O ministro das relações Exteriores venezuelano, Yván Gil, informou em 11 de julho que o país receberia mais de 635 observadores.
O órgão, no entanto, cancelou o convite para a União Europeia em maio. A decisão se deu depois que o bloco europeu estendeu a validade das sanções contra a Venezuela até 10 de janeiro de 2025, data da posse do presidente eleito.
O grupo de observadores proibido de acompanhar as eleições era composto pelos ex-presidentes Mireya Moscoso (Panamá), Miguel Ángel Rodríguez (Costa Rica), Jorge Quiroga (Bolívia) e Vicente Fox (México), todos integrantes da Iniciativa Democrática da Espanha e das Américas (Grupo Idea) e críticos do governo de Maduro.
Além disso, 10 congressistas e eurodeputados do Partido Popular (PP) espanhol, assim como uma parlamentar da Colômbia e outra do Equador, acusaram sua deportação ao chegarem no aeroporto de Maiquetía, que serve a Caracas.
RELAÇÃO COM O BRASIL
Desde que foi eleito para o seu 3º mandato como presidente em 2023, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) reatou os laços do Brasil com a Venezuela, rompidos durante o governo de Jair Bolsonaro (PL), e endossou a imagem do presidente venezuelano perante o mundo.
A relação entre o petista e o herdeiro de Hugo Chávez teve desgastes quando o governante do país vizinho tentou articular a anexação de Essequibo, região do território da Guiana, no fim de 2023. Voltou a estremecer na última semana, depois que Maduro disse, sem citar Lula, que, quem tivesse se assustado com seu prognóstico de um “banho de sangue” caso seja derrotado nas eleições, tomasse um “chá de camomila”.
O governo brasileiro acompanhou com atenção os movimentos do venezuelano às vésperas da eleição presidencial.
Lula enviou ao país vizinho seu assessor especial para assuntos internacionais, Celso Amorim, para acompanhar o processo eleitoral. Por ser um dos poucos representantes de governos e da comunidade internacional, a atuação do ex-chanceler brasileiro ganhou peso.
A presença do ex-chanceler reforçou a posição do Brasil como aliado e principal ator na tentativa de assegurar um processo democrático no país. Qualquer declaração de Amorim e reação do governo Lula terão impacto na forma como outros países podem reagir ao resultado eleitoral.
Por isso, a subida de tom de Maduro contra Lula nos últimos dias foi recebida com irritação por assessores do petista, que optaram por não responder às críticas para evitar uma escalada da tensão já existente na eleição.
A relação entre os 2 presidentes remonta aos primeiros governos do petista (2003-2010) quando foi um dos principais aliados do ex-presidente venezuelano Hugo Chávez na América Latina. O apoio foi transferido a Maduro, sucessor de Chávez e tido como seu pupilo.
ECONOMIA
Atualmente, a Venezuela se encontra em um estado crítico, principalmente em relação à economia. O PIB (Produto Interno Bruto) encolheu 62,5% ao longo de uma década, sob a presidência de Maduro.
Em 2021, 68% da população venezuelana estava em situação de extrema pobreza e a taxa de inflação de 190% do país no ano passado foi uma das mais altas do mundo. Desde 2013, registrou queda populacional de 11%, em grande parte por causa do êxodo de venezuelanos.
Alex Agostini, economista-chefe da agência classificadora de risco Austin Rating, fez um levantamento para o Poder360 com os principais dados econômicos da Venezuela.
Segundo Agostini, os números refletem erros de uma política autoritária. “Um governo autoritário tem todos esses efeitos na economia. Hiperinflação, recessão, aumento da pobreza, entre outros. São diversos fatores que colocam o país em atraso”, declara.
Na análise de Thaís Batista, pesquisadora do OPSA (Observatório Político Sul-Americano), o governo Maduro tem “dificuldades de se adaptar” às mudanças conjunturais. “Não se pode negar que existe um desgaste do partido, do governo, do Maduro, por causa das conjunturas políticas externas e internas de crise econômica e de sanções”, diz.
A especialista afirma que, embora o atual presidente possa ter desejado continuar as políticas sociais de Hugo Chávez, ele se deparou com um cenário diferente que “limitou suas opções políticas” e sua capacidade de ação.
“O governo de Hugo Chávez se desenvolveu durante a chamada ‘onda rosa’ na América Latina, quando os preços das commodities, incluindo o petróleo, estavam em alta. Havia uma demanda internacional por produtos da região, e essa bonança econômica internacional beneficiou os países latino-americanos”, afirma.
“Maduro, por outro lado, assumiu o governo no final dessa onda, enfrentando crises cujos efeitos começaram a atingir os países periféricos. A Venezuela começou a sentir a queda do preço do petróleo, o que impactou toda a economia do país”, diz.
A economia da Venezuela, contudo, mostrou sinais de crescimento neste e no ano passado, o que, segundo Carolina Silva Pedroso, pode implicar em uma sensação de certa estabilidade que pode ajudar Maduro NO domingo (28.jul).
“Esses indicadores trazem um alívio importante em uma economia assolada há mais de uma década por uma crise profunda, o que, consequentemente, tem reflexo direto sobre a vida das pessoas, principalmente a inflação”, diz.“Traz uma relativa sensação de estabilidade e de que, talvez, seja o início do fim da crise”, afirma.
Esta reportagem foi produzida pela estagiária de jornalismo Ana Sanches Mião sob supervisão da redatora Jessica Cardoso e da editora-assistente Isadora Albernaz.