Por José de Castro
SÃO PAULO (Reuters) - As transações correntes do Brasil continuam saudáveis considerando médias históricas, mas dois meses consecutivos de resultados piores que o esperado chamam atenção para os efeitos da instabilidade externa sobre as contas locais, num momento de forte pressão no câmbio e de economia ainda cambaleante.
Desde o fim de 2017, quando o déficit da conta corrente caiu ao menor patamar em quase uma década, analistas têm dito que seria natural esperar um aumento desse gap diante da recuperação econômica. Mas a questão é que o saldo negativo tem se elevado sem a contrapartida de uma economia mais forte.
"Há um fator conjuntural aí. Exportamos commodities. Há uma tendência de piora gradual (nas contas externas), mas não ficaria preocupado com isso", disse Flávio Serrano, economista-chefe do banco Haitong do Brasil.
Em 12 meses até julho, o déficit em conta corrente subiu para 1,31% do Produto Interno Bruto (PIB) --um salto ante a taxa de 1,06% de junho e o maior nível desde janeiro de 2017 (-1,32%). Para meses de julho, o número é mais negativo desde 2016 (-1,42%).
O IBGE divulga nesta semana os dados do PIB do segundo trimestre, depois de o IBC-Br ter apontado recessão técnica.
Em termos nominais, o déficit alcançou 9,035 bilhões de dólares em julho, pior dado para o mês em cinco anos. O número frustrou expectativa de saldo negativo de 5,9 bilhões de dólares, conforme pesquisa Reuters com analistas. Em junho, o rombo fora de 2,914 bilhões de dólares, contra expectativa de déficit de 1,500 bilhão de dólares, também segundo pesquisa Reuters.
Duas contas se destacaram negativamente nos resultados do mês passado: exportação e receitas com remessas de lucros e dividendos. Em junho, as exportações também foram o "vilão".
Em julho, as vendas externas de mercadorias caíram 11,1% sobre um ano antes, contra baixa de apenas 2,9% das importações. No acumulado dos sete primeiros meses de 2019, a queda nas exportações é de 4,7%, contra estabilidade das importações.
Exportação está diretamente ligada a demanda externa. E nos últimos meses o tema mais recorrente na macroeconomia global têm sido os riscos de desaceleração da atividade como efeito da incerteza gerada pela guerra comercial entre as duas maiores economias do mundo: Estados Unidos e China.
Mesmo relativamente fechado em relação a seus pares, o Brasil acaba sentindo os impactos, piorados pela turbulência da vizinha Argentina, importante destino das exportações de maior valor agregado.
Medidas pelo índice CRB, as matérias-primas têm operado no menor patamar desde meados de 2017.
REMESSAS
Um outro componente associado à confiança no ambiente para investimento são as remessas de lucros e dividendos --recursos enviados pelas empresas às matrizes e comumente associados a melhora dos balanços.
Em julho, as receitas nessa conta tombaram 80% sobre um ano antes, enquanto as despesas subiram 30%. Nos sete primeiros meses do ano, as receitas caíram 30%, enquanto as despesas ficaram virtualmente estáveis.
"Isso mostra que as empresas brasileiras no exterior podem estar mais conservadoras em trazer os recursos para cá", disse Silvio Campos Neto, economista e sócio da Tendências Consultoria.
Como um todo, o déficit de rendas somou 7,9 bilhões de dólares em julho, contra 5,1 bilhões de dólares um ano antes.
"A saída expressiva de recursos na conta de lucros e dividendos tem pressionado a balança de rendas nos últimos meses, mas não esperamos que esse quadro se mantenha à frente", ponderou Thales Caramella, economista do Itaú Unibanco.
A média histórica do déficit em conta corrente é de 2% do PIB. Portanto, o gap atual ainda está a alguma distância de patamares que levantam maiores preocupações, por exemplo, para a taxa de câmbio. Isso não tem impedido, contudo, que o real se deprecie a mínimas em cerca de um ano, em parte justamente pela incerteza com a guerra comercial entre EUA e China.