Por Vladimir Soldatkin e Pavel Polityuk
MINSK (Reuters) - Alemanha, França, Rússia e Ucrânia fecharam nesta quinta-feira um acordo que oferece um "vislumbre de esperança" para a resolução do conflito no leste ucraniano, mas os Estados Unidos disseram que a continuidade dos intensos confrontos representam uma contradição em relação ao entendimento alcançado.
O anúncio do acordo, após mais de 16 horas de discussões através da noite em Minsk, capital de Belarus, foi rapidamente seguido por denúncias de Kiev sobre a chegada de novos armamentos russos ao leste ucraniano controlado por rebeldes.
O acordo prevê um cessar-fogo entre as forças ucranianas e os separatistas apoiados pela Rússia a partir de domingo, a retirada de armamentos pesados da linha de frente e reformas constitucionais para conceder mais autonomia ao leste da Ucrânia.
Os confrontos se intensificaram nos últimos dias, quando rebeldes tentaram assumir o controle de Debaltseve, um entroncamento de transportes estratégico que permitiria a ligação entre duas áreas controladas por separatistas no leste, onde eleições devem ser organizadas, segundo o acordo.
A Casa Branca, sob pressão do Congresso norte-americano para fornecer armas ao militares ucranianos em apuros, disse que o acordo era "potencialmente significativo", mas pediu à Rússia que retire soldados e equipamentos e devolva à Ucrânia o controle sobre a fronteira entre os dois países.
"Os Estados Unidos estão particularmente preocupados com a escalada dos confrontos hoje, o que é inconsistente com o espírito do acordo", disse a Casa Branca em comunicado.
À PROCURA DE PUTIN
As conversas foram o ápice de uma iniciativa dramática liderada por França e Alemanha após o recrudescimento do conflito, em que os separatistas resolveram avançar, desrespeitando uma linha de cessar-fogo anterior.
O presidente russo, Vladimir Putin, acusou Kiev de prolongar as negociações, que pareciam próximas do fracasso em vários momentos ao longo da noite.
A chanceler alemã, Angela Merkel, disse que o presidente ucraniano, Petro Poroshenko, "fez de tudo para conseguir a possibilidade de encerrar o derramamento de sangue", ao mesmo tempo em que afirmou que Putin pressionou os rebeldes a entrarem em acordo somente "perto do fim" das negociações.
"Há um vislumbre de esperança, nem mais nem menos", disse Merkel a jornalistas ao chegar, diretamente das conversas em Minsk, para uma cúpula da União Europeia, em Bruxelas. "É muito importante que as palavras sejam seguidas por ações."
O porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, disse que as negociações foram "duras e muito emocionais", segundo a agência de notícias russa Ria.
O acordo deve protelar a imposição de novas sanções contra Moscou, embora o Departamento de Estado dos EUA tenha afirmado não ter descartado nenhuma opção. O secretário de Estado dos EUA, John Kerry, disse que as sanções podem ser aliviadas caso o acordo venha a ser implementado com sucesso.
Mais de 5.000 pessoas já morreram em decorrência do conflito, número que subiu com força nas últimas semanas, com mais de 70 soldados ucranianos e ao menos 24 civis mortos neste mês até o momento, de acordo com cálculos da Reuters baseados em dados oficiais do governo ucraniano.
Um porta-voz dos militares ucranianos disse que cerca de 50 tanques, 40 sistemas de lançamento de mísseis e 40 veículos blindados atravessaram a fronteira da Rússia para o leste da Ucrânia durante a noite. Não foi possível verificar de imediato os números, maiores do que previamente relatado em comunicados anteriores. Moscou diz que as alegações não têm fundamento.
A Otan disse haver evidências de que armamentos russos entraram na Ucrânia, mas a entidade não quis comentar sobre os relatos mais recentes.
"A intensificação do conflito fica evidenciada pelo rápido aumento no número de pessoas tentando deixar as cidades na linha de frente", disse o porta-voz Andriy Lysenko em um pronunciamento diário nesta quinta-feira, antes de o acordo ser anunciado.
Os rebeldes acusam Kiev de bombardear áreas civis, acusação que os militares ucranianos negam.
O conflito desestabilizou a Ucrânia tanto militar como economicamente. Ao mesmo tempo em que o acordo era anunciado, foram oferecidos 40 bilhões de dólares à Ucrânia em fundos de resgate do Fundo Monetário Internacional, de modo a evitar um colapso financeiro no país.
RETIRADA DAS ARMAS
O acordo abordou alguns dos pontos mais desafiadores, incluindo uma "linha de demarcação" entre os separatistas e as forças ucranianas, que os rebeldes desejavam que abarcasse os ganhos obtidos em uma recente ofensiva que encerrou uma trégua anterior.
O compromisso alcançado prevê que os rebeldes retirem as armas da linha estabelecida pelo acordo de Minsk anterior, firmado em setembro, enquanto os ucranianos vão se retirar da linha de frente atual, criando uma larga zona desmilitarizada com 50 km de extensão.
A Ucrânia também vai receber o controle da fronteira com a Rússia, mas sempre consultando os rebeldes e somente depois que as regiões ganhem mais autonomia de acordo com reformas constitucionais a serem feitas até o final de 2015.
O cessar-fogo, assim como a retirada das armas pesadas, vai ser supervisionado pela Organização para a Segurança e Cooperação na Europa, um órgão de segurança que engloba todo continente europeu.
Nesta quinta, o principal comandante rebelde, Eduard Basurin, disse que seu lado vai se submeter ao cessar-fogo, mas que, enquanto isso, as tropas ucranianas devem se render em Debaltseve.
À medida que o conflito vem se intensificando, Washington começou a falar abertamente em armar a Ucrânia para que possa se defender da "agressão russa", aumentando as expectativas de uma guerra de intermediários entre antigos inimigos da Guerra Fria em pleno coração da Europa.
(Reportagem adicional de Elizabeth Piper e Maria Kiselyova, Pavel Polityuk, Elizabeth Pineau, Polina Devitt, Aleksandar Vasovic, Alessandra Prentice, Margarita Chornokondatrenko, Gabriela Baczynska, Alexander Winning, Lidia Kelly, Richard Balmforth e Andrei Makhovsky)