“The time has come”. Como enormemente esperado, o FED, banco central dos EUA, iniciou o ciclo de cortes de juros na principal economia do mundo. A grande surpresa, que era a grande dúvida antes da decisão, foi a magnitude do corte. Muitos economistas e especialistas ao redor do mundo divergiam a respeito de qual decisão seria a mais adequada: um corte de 25bps ou de 50bps.
A grande verdade é que existiam bons argumentos para embasar ambas as decisões.
Por um lado, um corte mais intenso serve como um “seguro” contra recessão e conversa melhor com os dados mais fracos recentes de inflação e mercado de trabalho. Por outro lado, um corte de 25bps parecia ser mais coerente com a comunicação dos membros do FED nas semanas que antecederam o período de silêncio pré-decisão.
Fato é que há bastante tempo não víamos o mercado tão dividido quanto a uma decisão do FED.
A consolidação do cenário de corte de juro mais intenso impulsionou as bolsas globais não apenas imediatamente após a decisão, mas também serviu de combustível para o bom humor dos mercados nos dias e semanas seguintes.
Domesticamente, o Brasil seguiu sua tradição de conseguir estragar o que poderia ser um movimento de renovação de máximas históricas por conta de ruídos relacionados ao cenário fiscal. A divulgação do relatório de receitas e despesas pelo Ministério do Planejamento e Orçamento decepcionou o mercado, que interpretou as receitas projetadas como sendo superestimadas e as despesas como subestimadas.
Assumindo premissas otimistas de receitas maiores adiante, mesmo em meio a gastos obrigatórios crescentes, o governo decidiu liberar R$ 1,7 bilhão (antes congelados) em gastos para o orçamento deste ano. Em vez de perseguir efetivamente a meta de déficit zero, o governo vem perseguindo e projetando um déficit de R$ 28,8 bilhões, no limite da margem de tolerância.
Ainda existem outros R$ 40 bilhões em gastos fora desse cálculo, como as ações de combate aos efeitos da tragédia no Rio Grande do Sul e das queimadas.
Dessa forma, o resultado fiscal efetivo do governo deve elevar a dívida pública em quase R$ 70 bilhões (considerando a premissa nada conservadora de que o governo conseguirá se manter no limite inferior da meta). O mercado foi rápido em inserir prêmio de risco na curva de juros e o câmbio depreciou fortemente após a divulgação do relatório.
Entretanto, na semana seguinte, a aguardada ata do COPOM revelou um tom mais duro do Banco Central, que se viu obrigado a elevar a Selic em 25 bps devido à desancoragem das expectativas de inflação. O comitê destacou a resiliência da atividade econômica, pressões no mercado de trabalho e a alta das projeções de inflação, deixando claro que pode acelerar o ritmo de aumento dos juros dependendo do comportamento dos dados econômicos. Tal direcionamento ajudou a acalmar os investidores e a derrubar o dólar, que voltou para a região de R$ 5,45.
Na mesma semana, o banco central chinês (PBoC) surpreendeu positivamente os alocadores de recursos de todo o planeta e gerou uma verdadeira semana de festas nas bolsas asiáticas, ao anunciar um enorme pacote de estímulos à economia do gigante asiático.
O pacote, considerado o mais agressivo desde a pandemia, inclui a redução do compulsório bancário, cortes nas taxas de hipotecas, além de novas medidas para estimular a indústria imobiliária no país, como a flexibilização das regras para compras de segunda residência.
Os investidores se animaram também com a possibilidade de o governo chinês destinar mais 100 bilhões de dólares para apoiar o mercado de ações através de iniciativas como linhas de crédito para as empresas recomprarem ações.
Com isso, o índice Shanghai registrou alta de mais de 4% num único dia, o maior ganho diário desde julho de 2020. Nas demais praças da Ásia, o bom humor com as perspectivas chinesas também contagiou os investidores e praticamente todos os principais índices fecharam em alta relevante.
O índice Stoxx Europe 600 também se beneficiou do pacote de estímulos e acumulou alta na sessão, liderado por setores com exposição relevante à China, incluindo mineradoras, fabricantes de bens de luxo e montadoras.
Com o anúncio, o minério de ferro disparou em Dalian, impulsionando o setor de mineração e siderurgia, com destaque para a disparada das ações da VALE3 (BVMF:VALE3), que vinham performando muito mal em 2024 por conta das preocupações com o crescimento chinês e a demanda por minério de ferro.
Não é novidade para os investidores de ações no Brasil que a nossa economia (e a nossa bolsa) costuma performar muito bem quando a China está bem. Sem dúvidas, uma inflexão na economia chinesa traria bons frutos para o Brasil.
Ainda parece cedo para estar convicto a respeito deste ponto, mas não podemos ignorar o fato do FXI, ETF das grandes empresas chinesas, ter disparado mais de 20% no mês de setembro e ultrapassado as bolsas americanas no ranking de melhores ETF’s globais de 2024, chegando a superar 35% de valorização em dólar este ano.
Para os próximos capítulos dos mercados, os investidores ficarão de olho nas apertadas eleições americanas e na dinâmica do mercado de trabalho nos EUA (monitorando e precificando riscos de recessão adiante), além do desenrolar de toda essa nova realidade de estímulos na China e quais suas implicações mundo afora.
Aqui, o cenário parece ser benéfico para que o fluxo estrangeiro continue favorável para as ações brasileiras, desde que o nosso calcanhar de Aquiles (fiscal) não consiga ofuscar os ventos favoráveis vindos de fora.
Até o segundo turno das eleições municipais é provável que tenhamos menos novidades de Brasília do que de costume, mas a reta final do ano deve ser de votações e decisões importantes relacionadas ao fiscal e pode acrescentar volatilidade à bolsa brasileira, assim como a temporada de resultados do terceiro trimestre do ano aqui e lá fora.