Por Carolina Pulice
SÃO PAULO (Reuters) - Quando Erika Hilton decidiu concorrer a uma cadeira de vereadora em São Paulo, maior cidade da América do Sul em 2020, ela não tinha ideia de que receberia mais votos do que qualquer outra mulher candidata às câmaras municipais de todo o país na eleição daquele ano.
Desde então, o burburinho em torno da transgênero de 29 anos só cresceu. Erika tem recebido um grande apoio de artistas e políticos de esquerda, aparecendo em capas de revistas no Brasil. Em outubro, ela recebeu o prêmio Most Influential People of African Descent, apoiado pela Organização das Nações Unidas (ONU), que reconhece as pessoas negras mais influentes do mundo.
Erika disse à Reuters que agora pretende concorrer a uma cadeira de deputada federal nas eleições de outubro pelo PSOL. Se eleita, ela será a primeira integrante transgênero do Congresso do Brasil, país que mais mata pessoas trans no mundo, de acordo com a Transgender Europe (TGEU), uma rede de organizações sem fins lucrativos que defende os direitos trans globalmente.
Assassinatos e suicídios entre brasileiros transgêneros aumentaram nos últimos anos, em meio aos ataques do presidente Jair Bolsonaro ao que ele chama de "ideologia de gênero" entre aqueles que pressionam por mais proteções para pessoas transgênero.
"Brasília precisa ser chacoalhada pelas pautas de direitos humanos, das LGBTs, e por estes corpos, por estas vozes", disse Erika em entrevista.
De sua cadeira na Câmara Municipal de São Paulo, a vereadora propôs benefícios fiscais para empresas que contratam mais funcionários trans. Ela também pressionou para ampliar o alcance do Programa Transcidadania da cidade, que visa ajudar pessoas trans vulneráveis.
Embora Erika Hilton esteja entre as pioneiras no Brasil, ela não está sozinha na América Latina, onde uma nova geração de políticos trans está trabalhando para combater a violência e o preconceito contra pessoas trans.
No Chile, a parlamentar transgênero Emilia Schneider, de 25 anos, conquistou uma cadeira na legislatura federal em novembro, após anos de ativismo.
Ela disse que a onda esquerdista que levou ao cargo o presidente eleito do Chile, o socialista Gabriel Boric, também tem inspirado a elaboração de uma nova Constituição com foco maior nos direitos humanos e na defesa da população trans.
"Estou muito esperançosa e confiante de que este governo e a nova Constituição significarão um novo horizonte de direitos e reconhecimento para o povo do Chile e para a diversidade sexual", disse em entrevista.
Em toda a América Latina, o progresso político para impulsionar os direitos trans vem acompanhado de violência.
Pelo menos 189 pessoas transgênero foram mortas no ano passado na região, mais do que em qualquer outra do mundo, de acordo com o TGEU, que alertou que o número real pode ser maior devido à subnotificação.
No México, o segundo país mais letal do mundo para pessoas transgênero, Maria Clemente Garcia Moreno, uma deputada federal de 36 anos do partido governista Morena, disse que tem dificuldades para explicar no Congresso mexicano os desafios enfrentados pelas pessoas trans, mesmo para aqueles que entendem e respeitam sua própria identidade trans.
"Essa responsabilidade de traduzir as necessidades da população trans para poder enraizá-la na estrutura política para proteger nossos direitos é complexa", afirmou ela.
Na Venezuela, a luta pelos direitos trans muitas vezes fica em segundo plano em relação a questões políticas, sociais e econômicas mais amplas, disse Tamara Adrian, advogada, pesquisadora e parlamentar eleita em 2015.
Para Erika Hilton, que lidera o comitê que investiga crimes trans em São Paulo, a violência física é apenas a ponta do iceberg. Para ela, os direitos trans precisam fazer parte da política social.
"O que roubam de nós é exatamente o direito de sermos reconhecidas enquanto pessoas humanas. E ao sermos reconhecidas, termos todos os direitos humanos", disse ela.