Por Angus Berwick
CARACAS (Reuters) - A renúncia do presidente da Bolívia, Evo Morales, o último líder no poder da onda de esquerda que se espalhou pela América Latina duas décadas atrás, reforçou a polarização dos governos de toda a região, com alguns presidentes denunciando um "golpe" e outros comemorando sua saída.
Morales, o primeiro líder indígena da Bolívia, encerrou seu governo de 14 anos depois que aliados o abandonaram na esteira de semanas de protestos contra a eleição contestada de 20 de outubro, que abalaram a nação andina. No domingo, os militares e apoiadores políticos cruciais pediram a renúncia do presidente.
Governos latino-americanos de direita, entre eles Colômbia e Peru, pediram ao Estado boliviano que garanta a lisura das novas eleições. O Brasil disse que uma "tentativa de fraude eleitoral maciça deslegitimou" o líder boliviano".
Já o presidente da Venezuela, Nicolás Maduro --cujo antecessor socialista, Hugo Chávez, serviu de mentor ocasional de Morales--, disse aos seus apoiadores que se mobilizem em apoio ao ex-líder da Bolívia.
"Temos que cuidar de nosso irmão Evo Morales", disse Maduro em uma transmissão gravada na televisão estatal venezuelana. "Precisamos declarar uma vigília em solidariedade para protegê-lo".
A posição de Maduro se fortaleceu com a volta de líderes de esquerda aos governos do México e da Argentina, mas a renúncia de Morales pode prejudicar o líder venezuelano, que vem se aferrando ao poder neste ano apesar de uma campanha oposicionista para convencer as Forças Armadas a se rebelarem.
O presidente de Cuba, Miguel Díaz-Canel, outro aliado de longa data de Morales, tuitou sua "solidariedade" e disse: "O mundo precisa ser mobilizado pela vida e pela liberdade de Evo".
O governo mexicano rejeitou o que classificou como uma operação militar em andamento na Bolívia, acrescentando que não deve haver "nada de golpe". O México ofereceria asilo a Morales se ele o pedisse, disse o ministro das Relações Exteriores do México, Marcelo Ebrard, no Twitter, mas não surgiu nenhum pedido de imediato.
Já o presidente eleito da Argentina, Alberto Fernández, que conquistou uma vitória arrasadora em uma eleição no mês passado na terceira maior economia da América Latina, disse que "a ruptura institucional na Bolívia é inaceitável".
No domingo, Morales concordou em realizar novas eleições depois que um relatório da Organização dos Estados Americanos (OEA), que realizou uma auditoria da votação, revelou irregularidades sérias no pleito.
O relatório disse que uma nova votação deveria ser realizada depois de descobrir "manipulações claras" do sistema eleitoral que criaram dúvidas sobre o triunfo de Morales, que obteve uma vantagem de pouco mais de 10 pontos sobre o principal rival, Carlos Mesa.
Logo depois, o líder boliviano disse que estava deixando o comando do país para aliviar a violência que se agrava desde a eleição, mas repetiu seu argumento de que havia sido vítima de um golpe.
O governo brasileiro disse que apoiaria uma transição democrática na Bolívia e rechaçou o argumento da esquerda sobre um golpe de Estado.
"Não há nenhum golpe na Bolívia. A tentativa de fraude eleitoral maciça deslegitimou Evo Morales, que teve a atitude correta de renunciar diante do clamor popular. Brasil apoiará transição democrática e constitucional. Narrativa de golpe só serve para incitar violência", disse o chanceler brasileiro, Ernesto Araújo, em publicação no Twitter.