Por Daniel Ramos
LA PAZ (Reuters) - Saques, confrontos e bloqueios de vias convulsionavam a Bolívia, nesta segunda-feira, após o presidente Evo Morales encerrar seu governo de 14 anos ao renunciar na véspera, deixando um vácuo de poder na esteira de semanas de protestos violentos.
A saída do primeiro presidente indígena da Bolívia, que era o último sobrevivente de uma onda de líderes de esquerda na América Latina de duas décadas atrás, ocorreu no domingo, quando os militares o abandonaram em meio à turbulência devido à contestada reeleição em 20 de outubro.
A Organização dos Estados Americanos (OEA) denunciou "manipulações claras" e solicitou uma nova votação.
"Tenho medo do que vai acontecer, está tudo uma bagunça na cidade. Há brigas entre vizinhos", disse Patricia Paredes, uma secretária de 25 anos moradora da capital La Paz.
Durante a noite, grupos criminosos percorreram a capital e outras cidades para atacar comércios, enquanto apoiadores políticos de lados rivais entraram em confronto e propriedades foram incendiadas.
Escolas e lojas estavam fechadas em sua maioria, e o transporte público sofria interrupções diante de bloqueios em diversas vias.
Morales, de 60 anos, saiu de La Paz e acreditava-se que ainda estivesse na Bolívia --mas seu paradeiro exato não era conhecido.
Ele disse que renunciou para aliviar a violência, mas repetiu nesta segunda-feira as acusações de que foi vítima de uma conspiração de inimigos políticos, incluindo o rival eleitoral Carlos Mesa e o líder de protesto Luis Fernando Camacho.
"O mundo e patriotas bolivianos repudiam o golpe", tuitou. "Me emocionaram até me fazerem chorar. Nunca me abandonaram; nunca os abandonarei."
O presidente eleito da Argentina, Alberto Fernández, ecoou as denúncias de Morales sobre um golpe, assim como o governo do México, que ofereceu asilo ao boliviano. "É um golpe porque o Exército pediu a renúncia do presidente e isso viola a ordem constitucional daquele país", disse o ministro das Relações Exteriores do México, Marcelo Ebrard.
CASAS ATACADAS
Em um novo desenho do cenário político da América Latina, a esquerda recuperou o poder no México e na Argentina, embora no Brasil a direita esteja no poder com o presidente Jair Bolsonaro.
Na Venezuela, os opositores do líder esquerdista Nicolás Maduro, um aliado de Morales, comemoraram a queda do líder boliviano, a quem chamam de "ditador", dizendo esperar que Maduro seja o próximo.
Os Estados Unidos instaram os líderes civis a manter o controle na Bolívia. A Rússia apoiou Morales, acusando a oposição de promover a violência e de anular o diálogo.
Em meio ao caos, Waldo Albarracín, acadêmico e figura destacada da oposição, tuitou que sua casa foi incendiada por apoiadores de Morales.
Outro vídeo muito compartilhado pareceu mostrar pessoas dentro da propriedade de Morales e pichações nas paredes depois que o líder de esquerda viajou para outra parte do país.
"As pessoas estão tentando provocar o caos", disse Edgar Torrez, um administrador de empresas de 40 anos em La Paz, dizendo que políticos e criminosos estavam tirando proveito da situação.
O vice-presidente de Morales e muitos de seus aliados políticos no governo e no Parlamento também deixaram seus cargos, e não estava claro quem assumiria o comando até uma nova eleição.
De acordo com a legislação boliviana, na ausência do presidente e do vice-presidente, o presidente do Senado assumiria provisoriamente. Mas a presidente do Senado, Adriana Salvatierra, também renunciou na noite de domingo.
Parlamentares devem se reunir nesta segunda-feira para chegar a um acordo sobre uma comissão interina ou um parlamentar que assumiria o controle temporário, de acordo com um advogado constitucional.
A senadora de oposição Jeanine Añez, que é segunda vice-presidente do Senado, disse em declarações transmitidas pela televisão que aceitaria a responsabilidade.
"Aceitarei o desafio apenas para o necessário para eleições transparentes, para que os bolivianos tenham certeza de que seu voto será respeitado", disse Añez em entrevista ao canal de televisão Red Uno, mas não ficou claro quando assumiria.
Sob Morales, a Bolívia registrou uma das mais fortes taxas de crescimento econômico da região e sua taxa de pobreza foi reduzida pela metade, embora a determinação do líder em se apegar ao poder e buscar um quarto mandato tenha afastado muitos aliados, mesmo entre as comunidades indígenas.
(Reportagem adicional de Gram Slattery e Monica Machicao, em La Paz; Matt Spetalnick, em Washington; Dave Graham e Miguel Gutierrez, na Cidade do México; Tom Balmforth, em Moscou)