Não digam que não avisei que teríamos M5Ms longos nesta semana.
Proponho o seguinte exercício. Imagine:
Você é o(a) gestor(a) de um grande fundo de investimentos europeu. Seu dia-a-dia é de constante pressão: você trabalha em um segmento altamente competitivo. Sua vida é buscar oportunidades de retornos acima da média do mercado sem descuidar do risco de seu portfólio.
O mercado é inerentemente difícil. A volatilidade é alta e o noticiário joga ações e títulos para um lado diferente a cada dia. Seus concorrentes são competentíssimos e extremamente agressivos — cada ponto percentual a mais de retorno é disputado a tapa.
Você precisa de alguém...
Você contratou, a peso de ouro, os melhores analistas do país. Seu departamento de risco é composto de um pelotão de matemáticos, estatísticos, físicos… todos chineses.
Caminhar sobre o fio da navalha é o único jeito de sobreviver nessa indústria.
A infraestrutura do escritório é a prova de desastres: se faltar energia, você tem dois geradores; se a internet cair, você tem mais dois links de alta velocidade de reserva. Você investiu em tecnologia uma verdadeira fortuna.
Você tem tantos terminais da Bloomberg que sua mesa de operações parece a Times Square (NYSE:SQ).
Já há tanto em jogo… Do que você não precisa?
Respondo: você não precisa lidar com o banco através do qual você opera enfrentando problemas e evaporando diante de seus olhos.
…que te dê segurança...
Você é o(a) gestor(a) de um grande fundo de investimentos europeu… e seu fundo opera com o Deutsche Bank.
A cada dia, você se depara com novas notícias sobre as dificuldades do banco. Se põe, então, a imaginar como seria para você se acontecesse o pior.
Imagine-se explicando para seus investidores: “perdemos dinheiro porque o banco que era nossa contraparte nessas operações faliu”. Imagine seu principal cliente sentado à sua frente, soltando fogo pelas ventas:
“Mas você não sabia que o Deutsche estava enfrentando problemas?”
“Sim, havia rumores, mas nós achamos que era exagero.” — você murmura.
(Deixo as palavras de baixo calão que se seguem a cargo da sua imaginação)
Olhe sua caixa de e-mail: centenas de e-mails. “Estou resgatando tudo”. “Você nunca mais verá um centavo meu”. “DEVOLVA MEU DINHEIRO, SEU F...”.
Parabéns! Você quebrou junto com o banco! Melhor ligar para seu advogado.
…senão você dança.
Nada disso aconteceu, pelo menos por enquanto. Mas, diante dapossibilidade de acontecer e levar sua carreira por água abaixo, o que você faz?
O óbvio: você corre para reduzir sua exposição ao banco. Foi precisamente o que um grupo de gestores de fundos de investimento fez ontem.
A notícia correu como rastilho de pólvora e lançou os mercados para o vermelho ontem.
Qual o grande risco desse tipo de movimento?
A única coisa pior do que ser vítima de uma situação como a que retratei, é descobrir que o seu concorrente não sofreu o mesmo baque.
O que se passa na cabeça de outros gestores de fundo hoje, sabendo daqueles que desembarcaram do Deutsche ontem?
Profecia autorrealizável
Não é por acaso que todo banco investe tanto em transmitir uma imagem de segurança.
“Somos uma instituição sólida” é um dos clichês da indústria (irônico pensar que, muito mais efetivo, seria dizer “somos uma instituição líquida”, mas deixa pra lá).
O motivo é simples: se um número suficientemente grande de clientes acreditar que um banco pode quebrar e correr para fazer resgates, a realização da profecia é garantida.
As preocupações com o Deutsche vieram para ficar. Mercados europeus hoje suspiram, em meio a rumores de que um acordo com o Departamento de Justiça Americano pode ocorrer por uma fração dos 14 bilhões inicialmente especulados.
Ao que tudo indica, o rumor começou com uma fonte anônima no Twitter.
Analistas a peso de ouro. Gestores de risco chineses. Um carnaval de terminais Bloomberg… e ainda assim temos financistas profissionais mundo afora se guiando, hoje, por um “tweet” anônimo. Não existe ateu quando o avião está caindo.
(Isso ficará bonito no PowerPoint que será apresentado a potenciais compradores do Twitter, aliás)
A isso se soma o fato de que poucos têm coragem de passar o final de semanashort nas ações do banco. Vai que é anunciado um pacote de socorro, não é mesmo?
Para onde vamos?
Serei sincero: o mercado girará em torno do banco alemão até que seu drama encontre um desfecho. Qualquer desfecho.
Melhor cenário? Um acordo com as autoridades americanas em condições muito favoráveis. Mercados respiram aliviados e sobem. Atenções se voltam aos temas comezinhos de sempre — juros nos EUA, talvez? — até escolhermos uma nova fonte de agonia.
Pior cenário? O banco quebra e produz crise sistêmica entre seus demais pares europeus. Um terremoto com epicentro na Alemanha — a fiadora do Euro. Bem-vindo de volta a 2008.
Entre o céu e o inferno para todos, a eterna possibilidade de um socorro governamental. Que é, cá entre nós, o cenário mais provável.
O problema é que nós sempre nos fiamos demais nos cenários mais prováveis. Sempre subestimamos a probabilidade do improvável. E, quando ele acontece, somos pegos de calça na mão.
Então pergunto: v ocê fez a lição de casa que propus na terça-feira?
Está confortável com a alocação de seus investimentos? Está tomando riscos controlados e comprando proteções para o caso de o pior cenário se concretizar?
Torço que entremos outubro com boas notícias. Mas quero estar preparado para caso elas não venham.
Me despeço com uma foto que tirei há pouco, aqui na janela do escritório. Tivemos visitas inesperadas hoje:
Ainda bem que não sou supersticioso.