2017 – Toda a Incógnita – Regresso ao Futuro ou ao Passado?

Publicado 04.01.2017, 06:05
Atualizado 09.07.2023, 07:32
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Olá a todo o mundo! É com prazer que cumprimos este ritual de discutir as perspetivas para o novo ano, sem nunca nos perdermos no exercício de fazer adivinhação sobre o que quer que seja, porque sempre ocorre alguma coisa que acaba por mudar, nem que seja um pouco, as realidades que pensávamos anteriormente terem uma margem segura de concretização. Nunca assim é, nunca foi, nunca será.

Há um ano atrás, o foco da análise centrou-se na velha questão da esfera financeira global. Também sobre como o crescimento seria medíocre. Como as políticas dos Bancos Centrais se prolongavam no tempo sem entregarem os resultados esperados tanto no PIB real como na inflação, medida em preços ao produtor e ao consumidor.

Eram ainda tempos de uma análise fácil, tanto no ano passado como nos anteriores. Vínhamos das grandes crises, primeiro da grande recessão, depois das crises bancárias generalizadas e das dívidas do PIIGS. O resultado mais óbvio aconteceu como se previa, salvo honrosas exceções. Não era difícil de prever a continuação da desaceleração do crescimento Chinês e do aumento da dívida, de mais do mesmo no Japão, da pequena aceleração dos EUA, também com aumento da dívida. Das diferenças no interior da zona EUR e até no interior dos antigos PIIGS. A Irlanda está melhor, até a Espanha estabilizou, enquanto Portugal lá vai respirando. A Grécia saiu do jornal da TV, sendo substituída pela Itália, embora por razões diversas. A Alemanha tem problemas bancários semelhantes aos demais, mas tem um Estado que, apesar de não querer intervir nesses assuntos, está em relativas boas condições para fazê-lo.

Nem tudo se resolveu em definitivo. Aliás, na Economia, como na vida, não existe nada em definitivo. No caso, surgiram novidades e notícias que levaram a que tivéssemos que embaralhar e dar cartas de novo. Temos um mundo novamente em fase de maior agitação. Falou-se menos de esfera financeira global e mais da esfera político-militar global. A globalização, aliás, foi adiada, para dar azo a situações de risco nacionais e regionais. Caiu a noção da inevitabilidade do mundo do politicamente correto. Os velhos mitos dos homens providenciais e das mulheres que fazem a diferença estão em queda nas opiniões públicas. Neste último caso, veja-se como Merkel está fragilizada, Dilma foi afastada, Park vai a caminho e Hillary nem se sentou na cadeira.

Por tudo isto questionamo-nos se estamos em tempos de regresso ao futuro ou ao passado!?

Apetece dizer que é um regresso ao passado, com o regresso do rei dólar, dos juros acima de zero, das tarifas comerciais, da sensação de tensões internacionais permanentes, ao ponto de instituições como a ONU aparecerem como irrelevantes aos olhos do público em geral. Uma coisa muito Reagan, muito anos oitenta do século passado, época a ser revisitada por novos personagens e por novas motivações neste xadrez da estratégia política.

A verdade é que o impossível aconteceu: a Rússia inverteu a sorte das armas na Síria, a Turquia tornou-se um tabuleiro fundamental na esfera geopolítica, central na luta contra o terror e palco desse mesmo terror, a Europa Ocidental voltou a viver em permanente receio, o Reino Unido votou pela saída da Europa unida, os Americanos elegeram uma incógnita, fora da política tradicional. Isto num contexto em que, apesar de zonas de crise, a Economia mundial voltou a crescer em linha com o previsto e em que existiu uma relativa normalidade apesar das constantes notícias com uma carga pessimista. Muito do que se passou desafiou aquilo que era a nossa noção coletiva de lógica. Essa lógica é transversal ao previsível e ao imprevisível. Era previsível que a velha Europa não faria reformas estruturais, o que desafia a lógica por tão necessárias que eram tal como era imprevisível este ou aquele resultado eleitoral por desafiar a lógica das crenças sociológicas mais profundas, espelhadas nas diversas pesquisas. Não foram as pesquisas que erraram, mas sim os pressupostos das mesmas.

Ao mesmo tempo, com ou sem crises de diversa ordem, há muito que se levantam vozes contra o internacionalismo. O novo nacionalismo espreita há muito, mas só ganha uma forte expressão com estas novidades do Reino Unido e dos Estados Unidos. É claro que a Europa continental pode seguir as pisadas, pondo em causa a própria União Europeia. É isso que será determinante em 2017.

Na verdade, mais do que respostas à crise de 2008, são consequências reais da transferência de recursos do Ocidente para Oriente de que falávamos há já uma década. Com o empobrecimento do Ocidente, as respetivas sociedades começaram a pôr em causa os modelos de desenvolvimento global, abrindo espaço para os que defendem modelos de desenvolvimento nacional. Vencerão estas teses? Será mais um foco do regresso ao passado? Ou as dinâmicas internacionais acabarão por ditar a sua lei? Ninguém tem hoje resposta para este conflito ideológico.

Apesar das incógnitas, temos gosto em lançar para cima da mesa das probabilidades algumas ideias mesmo correndo o risco de falhar redondamente. Na verdade, dadas as circunstâncias, falhar a análise começa a ser o óbvio. Surpresa será se tudo correr como é vaticinado por A ou B.

Nos mercados financeiros, uma das grandes surpresas vem do mercado Obrigacionista, com destaque para as dívidas soberanas. Num primeiro momento vimos o inacreditável: quando parecia impossível a valorização desses títulos, provou-se que os mesmos podem subir mais do que se pensa, ainda que os “yields” (rendimento) se afundem até valores bem negativos. Até certo ponto, só se pensava em parquear liquidez em segurança ainda que com juro zero. A partir de certo momento, com a ajuda dos Bancos Centrais, passou-se a pagar pela segurança. Quando isso ocorria no Japão, só dava azo a um bocejo: afinal de contas, juro negativo em ambiente de deflação não pode ser considerado prejuízo. Na Suíça, juro negativo em máxima segurança também não era uma aberração. O grande choque foi a generalização dos mesmos por toda a Europa, sendo que tal situação se espalhou até a certos títulos emitidos por países considerados problemáticos. Para nós não foi surpresa, como se pode ver pelo texto de há um ano atrás. A surpresa veio depois. Quando se pensava que essa seria a grande notícia do ano neste mercado, deu-se a inesperada inversão. Inesperada porque, em poucos meses, o medo do Brexit deu lugar ao não-medo do Trump.

A possibilidade de políticas expansionistas antecipa o aumento da dívida e da inflação, o que implica em juros mais elevados. O mercado não perdeu tempo, largando as Obrigações como se estas queimassem as mãos. O movimento foi tão rápido que nos leva a questionar se não marca o fim do longo “bull market” destes títulos. Pode ter sido o tão adiado “blowout top” que antecipa um “bear market”. Não diria que é o fim de um movimento em alta de 35 anos de idade, mas, se esquecermos o longo prazo, temos que admitir que no curto prazo, dada a possibilidade de elevação da inflação e do volume de dívidas, estes títulos serão olhados com maiores cautelas. Se eles ainda oferecem segurança? Talvez sim, mas quando se trata de rendibilidade, a análise terá de ser cuidadosa. Outro fenômeno a ter em conta. As “commodities” começaram a inverter a tendência negativa embora com destaque para as energias, lideradas pelo “velho” petróleo. Antevíamos uma queda, a qual ocorreu nos primeiros meses do ano.

Acreditávamos que esse ativo se mantivesse num patamar baixo por algum tempo. Em vez disso, inverteu com força ao ponto de subir 100% desde os mínimos do ano. Os metais, por seu turno, subiram como “hedge” contra a deflação (estranho, mas verdadeiro), cedendo ganhos iniciais à medida que a percepção de elevação de juros tomava conta dos mercados. Os índices globais de matérias-primas sobem em linha com os mercados acionistas, situação que se pode prolongar no novo ano embora não se possa colocar todos os ovos (commodities) no mesmo cesto. Tempos houve em que alta do dólar era sinónimo de baixa das “commodities” e vice-versa. Em 2016 não foi assim.

Os principais índices acionistas preparavam-se para acabar o ano quase “neutros”, ficando próximo a zero ganho apesar da grande volatilidade anual. O efeito Trump originou importantes ganhos no ano nos EUA. Outros mercados, como o do Brasil, recuperaram parte das perdas de vários anos. Na Europa, temos um saco de gatos. Os principais mercados estão em alta, inclusive o do Reino Unido, algo que consideramos uma pequena surpresa. Para quem se manteve investido nas principais ações, não teve motivos para se arrepender. No mercado cambial, continua a alta do USD. Mais uma vez, nem tudo foi igual ao longo do ano. Os grandes ganhos do USD e as grandes perdas do JPY ocorrem após as eleições de novembro nos EUA. Em muitos ativos, devido à volatilidade, foi como se o ano se resumisse a dois meses. Ainda assim, nada impede que os mercados acionistas continuem a se valorizar, tal como o USD, embora com menos força. Acreditamos mesmo que as valorizações do USD devem terminar em 2017 ou, no limite, em 2018 após anos de apreciação. Desta feita, com a aposta no mercado interno, não é do interesse dos EUA uma maior elevação da sua moeda.

Mais do que os riscos da Economia, temos de pensar na liquidez. Nos últimos anos falei aqui em extrema liquidez graças aos Bancos Centrais. Agora, sem os EUA na jogada, essa liquidez vai secar. A única situação que pode inverter esta realidade será uma recessão nos EUA, o que levaria à queda da inflação e, posteriormente, dos juros. Sem essa liquidez não teríamos tido ações e obrigações em alta ao mesmo tempo. Não nos podemos esquecer de mais um assunto mal resolvido: a liquidez e a rentabilidade dos bancos.

O problema não foi resolvido na Europa e cada vez mais se fala de problemas noutras regiões do mundo. Se não ocorrer neste novo ano uma resolução definitiva (se é que isso existe) destes problemas, vamos ter seguramente uma nova (velha) crise num clima de grandes adversidades. Para 2017 não devemos esperar o mesmo tipo de euforia nalguns mercados: virão por aí momentos de forte volatilidade – essa é a única certeza. Temos o “joker” Trump nos EUA, riscos políticos mal resolvidos na América do Sul, atos eleitorais na Europa que podem mudar a correlação de forças, como na Alemanha, França e Holanda. Temos uma crise de refugiados que vai continuar aumentando as tensões sociais, sobretudo se ocorrer uma generalização dos ataques terroristas que podem ser associados pelos populistas aos ditos refugiados. Temos o Oriente Médio em grave crise. Depois das Primaveras, é a hora de um Inverno longo. Mesmo que a guerra quente se acalme, há muito por resolver. Ao mesmo tempo, Israel sinaliza um endurecimento na região, o que não é um bom sinal. Vamos ver que tipo de surpresas nos reserva a Rússia e como a China vai usar a sua influência na região Ásia / Pacífico em caso de problemas com algum dos vizinhos ou mesmo com os EUA.

E os BRIC como bloco? Manter-se-á ou renovar-se-á a esperança de serem um grande mercado alternativo no mundo global? Como se pode ver, há muito em jogo. Os mercados são complexos, todos sabemos, mas se até nos anos mais calmos há momentos de enormes dúvidas, que dizer quando muito daquilo que nos havíamos habituado começa a ser seriamente posto em causa? Há, pois, demasiadas incertezas no ar. Nunca devemos ser pessimistas ou otimistas só porque sim. Devemos tentar abraçar uma postura realista. E se em certos momentos essa realidade significa nuvens negras e tempestade, não podemos agir nos mercados como se fosse um lindo dia de sol. No campo da incerteza, o ano anterior ainda era de sol com nuvens, com possibilidade de alguns momentos de tempestade. Agora, parece mais tempestade intercalada com alguns momentos de sol. Vamos esperar que tudo corra melhor do que parece nesse momento.

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