Ainda vale investir no exterior?

Publicado 25.05.2025, 10:05

A recente trégua tarifária entre Estados Unidos e China trouxe um alívio momentâneo aos mercados, mas o panorama que se delineia oferece muito mais do que um breve fôlego: é um convite a repensar estratégias, reavaliar riscos e antecipar oportunidades em meio a uma economia global que se reinventa.

Voltando para a madrugada de 12 de maio, o acordo temporário reduziu de 145% para 30% as tarifas extras dos EUA sobre importações chinesas, enquanto Pequim cortou suas alíquotas de 125% para 10%, válidas pelos próximos 90 dias. A repercussão foi imediata: o S&P 500 subiu 4% no dia seguinte, cancelando as perdas acumuladas no ano e surpreendendo grandes fundos que apostavam em um cenário de recessão americana. O efeito foi tão intenso que a companhia de navios de carga alemã Hapag-Lloyd (ETR:HLAG) registrou aumento de 50% nas reservas entre EUA e China, elevando seu Ebit em 27% no primeiro trimestre e impulsionando suas ações em mais de 7%.

Entretanto, por trás do rali há pressões que não desaparecem com canetadas: o Federal Reserve, que projetava estagflação - crescimento fraco acompanhado de inflação acima da meta - mantém uma postura cautelosa, claramente data-dependent, mas reticente em antecipar cortes de juros antes do fim do ano. Barclays (LON:BARC), por exemplo, estima que o Fed só fará a redução de seu patamar de referência em dezembro, enquanto o mercado futuro ainda precifica ao menos um corte moderado para setembro, se a desaceleração se materializar. Esse impasse cria um ambiente de juro real ainda elevado, elevando o atrativo dos Treasuries de dez anos, cuja remuneração se aproxima do topo dos últimos ciclos.

No câmbio, o dólar recuperou força, batendo máximo de um mês e penalizando ativos-porto seguro como o ouro, que caiu 3% num só dia após o anúncio do pacto. Por um lado, essa valorização contrai pressões inflacionárias exportáveis para economias emergentes; por outro, aperta o crédito local em países que financiam parte de sua dívida em moeda estrangeira.

A brecha aberta pela trégua também escancarou o podemos chamar de perigo da normalização precoce. Muitos observadores veem no recuo tarifário um sinal de que a guerra comercial pode arrefecer, mas o caráter temporário do acordo – apenas 90 dias – mantém a incerteza sobre o futuro das trocas globais. Exportadores chineses, embora aliviados, já buscam expandir operações em países vizinhos e rever estratégias de hedge, temendo uma alta abrupta de tarifas ao fim da janela negociada.

Para o investidor local, a palavra de ordem continua sendo cautela com diversificação geográfica. A recente alta dos índices americanos e a trégua comercial impulsionam valores de tecnologia, com empresas de IA e semicondutores no centro das apostas. Contudo, o UBS, por sua vez, revisou sua recomendação de “atrativas” para “neutras” em ações dos EUA, argumentando que parte do otimismo já está precificado após o S&P 500 avançar 11% desde 10 de abril – será? Nesse contexto, cabe aos gestores identificar nomes capazes de surfar a próxima onda de produtividade - como provedores de infraestrutura em nuvem, fabricantes de chips avançados e plataformas de dados - sem perder de vista a rotação para setores menos dependentes de estímulos, como saúde e utilidades.

A normalização logística é outra frente de oportunidades. O impulso na demanda por frete entre Ásia e América do Norte beneficiou não só a Hapag-Lloyd, mas sobretudo fornecedores de contêineres, operadores portuários e fabricantes de equipamentos marítimos. Empresas que oferecem soluções de tracking e otimização de rotas devem ter ganhos sustentados se o ambiente comercial permanecer relativamente estável.

Não menos importante é a agenda de commodities. A redução temporária das barreiras às importações chinesas deve elevar a demanda por petróleo, minério e produtos agrícolas nos portos americanos, pressionando preços no curto prazo. Para quem investe em papel de empresas exportadoras de commodities, há potencial de ganho, embora seja essencial proteger posições via contratos futuros e fundos de commodities que permitam ajustes dinâmicos.

Por fim, a trégua tarifária expõe um movimento/problema/oportunidade estrutural: a crescente interdependência das cadeias globais. Empresas que diversificam fábricas e fornecedores - incorporando plantas na Ásia, Europa e América Latina - estarão mais protegidas contra surtos de tensão, reduzindo riscos de interrupções. Para gestores de portfólio, selecionar companhias com essa resiliência de cadeia e governança robusta cria um escudo contra choques futuros.

Em suma, o recente acordo tarifário abriu janelas de ar no mercado, mas não dissipou nuvens carregadas. É um convite para repensar alocações: realocar parte do portfólio em títulos norte-americanos de prazo médio, reforçar hedge cambial contra eventuais reversões de fluxo, posicionar-se em empresas logísticas e de tecnologia que liderem a próxima fase de produtividade global, e manter liquidez estratégica para aproveitar sell-offs em setores mais cíclicos. A oportunidade está na antecipação: quem agir rápido para proteger e acessar essas frentes - sem perder a cautela, claro - estará preparado para colher os frutos tanto no cenário de trégua estendida quanto no de reagudização das tensões.

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