Originalmente publicado na revista Grafistas.
Embora trabalhe principalmente com análise técnica, gosto de manter sempre um olhar atento para os fundamentos de um ativo, porque entendo que as duas coisas são absolutamente complementares. Infelizmente, contudo, ao longo dos últimos anos, erguemos mais muros do que pontes entre essas escolas de análise. Tendo em mente que a perspectiva fundamentalista é, no geral, voltada para o longo prazo, buscarei contribuir neste texto com o uso de uma ferramenta técnica que considero bastante útil para esse propósito. Tratam-se das bandas de Bollinger, que partem de um princípio muito simples, mas poderoso. Primeiro, ele toma a média do preço em um determinado período e calcula o desvio padrão dessa média. Quanto mais volátil ou errática a média, maior o valor desse desvio, que é então multiplicado por um fator qualquer. O resultado é então somado ao valor da média, gerando uma linha superior, e subtraído do mesmo valor, resultando numa linha inferior. Juntas, as duas formam um tipo de envelope que acompanha a média móvel do preço.
De forma mais concreta, a média representa um ponto de consenso no preço de negociação e essas duas bandas representam as variações que seriam consideradas “normais” para aquela média. Quando o preço excede a banda superior ou inferior, isso nos sugere que aquele ativo está, respectivamente, caro demais ou barato demais em relação a média do período utilizado. Em sua configuração default, as bandas de Bollinger – que levam o nome de seu criador, John Bollinger – utilizam vinte períodos (dias, horas, minutos, etc.) e dois desvios padrão para cima/baixo.
Como podemos ver na imagem acima, no gráfico diário do S&P 500, uma média de vinte períodos gera um envelope que segue o preço de forma constante, o que em contraponto faz com que rompimentos acima e abaixo das bandas sejam relativamente comuns. Essa configuração, ao meu ver, é adequada apenas a quem tem como objetivo aquisições de prazo mais curto, raramente o caso de quem trabalha com a análise de fundamentos. Entretanto, podemos facilmente ajustá-las para se adequarem a operações de termo mais longo.
Com médias de 60 e 120 períodos num gráfico diário, além de dois desvios padrão para cima e para baixo, temos um retrato um pouco mais realista da negociação em longo prazo: considerando vinte pregões mensais, são respectivamente três e seis meses. A forma mais comum de utilizar essa ferramenta é comprando ou vendendo conforme o preço interage com a banda superior ou inferior (é um pouco mais complexo do que isso), mas o que vou propor aqui são duas formas de utilização que são mais adequadas a quem trabalha com análise fundamentalista.
Complementando seu valuation
A primeira delas é para complementar as técnicas de valuation de uma empresa. Ao determinar um valor “justo” para a ação, por exemplo através do fluxo de caixa descontado, esbarramos no fato de que o mercado está totalmente descolado das nossas vontades. Isto é, o preço pode estar radicalmente acima daquele preço que você julgou apropriado. Entram, então, as bandas de Bollinger, que com 60 ou 120 períodos contemplam uma área considerável do gráfico.
Quanto mais distante da banda inferior estiver o seu preço de entrada, menos provável que o ativo volte a ser negociado naquele patamar nos próximos meses ou anos, o que pode ser uma razão para refazer suas projeções de preço justo para contemplar, de forma mais direta, os movimentos de negociação. O mesmo vale para um preço de venda que esteja muito acima da banda superior, que é algo que pode ser corroborar, digamos, uma análise de fundamentos que sugira que o ativo está sobrevalorizado, quando vem sendo negociado muito próximo ou além dessa região.
Encontrando ativos baratos
Se você tem uma lista mais ou menos bem definida de ações ou ativos nos quais pretende investir a longo prazo, seja com aportes mensais, trimestrais ou conforme se apresentam oportunidades, as bandas de Bollinger, com os parâmetros citados acima, são uma ótima ferramenta. Isto porque, partindo da premissa de que seu objetivo é construir posição numa determinada empresa, você pode configurar alertas automáticos para quando o preço romper a banda inferior, algo que não ocorre com tanta frequência, mas que configura uma ótima oportunidade para comprar com desconto.
Uma outra opção, bem mais arriscada, seria vasculhar por ativos que estejam sendo negociados abaixo da banda inferior para, então, realizar um estudo de fundamentos, invertendo assim a ordem das coisas para uma seleção mais eficiente de ativos. O grande problema é que o preço tende a refletir qualidade nesses casos, e se há uma baixíssima demanda com grande oferta de ações a baixo custo, provavelmente é melhor ficar de fora – daí que essa modalidade seja bem mais arriscada. Eventualmente, contudo, podem-se fazer alguns aportes pequenos que trabalham com a tese de um retorno ao preço “justo” da empresa (a proverbial “correção”).
Evitar comprar topos e vender fundos
Assim como na análise fundamentalista, as vantagens de operar com base na análise técnica Em síntese, enquanto a primeira conta com a passagem do tempo, a análise técnica considera ainda a repetição no tempo para que, no acumulado de grandes séries – centenas a milhares de operações – ocorra uma diferença favorável ao nosso interesse – seja com uma taxa de acertos maior que de erros ou com ganhos médios que superam perdas médias.
Digo isso porque temos aqui uma técnica bastante simples, mas que requer um compromisso de longo prazo com a repetição. Ela envolve, simplesmente, evitar realizar compras quando o preço está muito próximo ou além da banda superior e fazer o oposto com suas vendas. Independente da capacidade de detectar topos ou fundos, você deve manter em mente que está simplesmente tomando uma medida para não operar nos limites de uma média de prazo mais ou menos longo.
Com as configurações que sugeri, serão raros os casos da empresa ou ativo estarem sendo negociados nesses patamares, mas essas poucas ocasiões podem vir a te poupar um bom dinheiro no acumulado, e não requer quase nenhum esforço, basta dar uma olhada no gráfico para ver se estão muito próximas das bandas. Se quiser ter um pouco mais de rigor, suspenda operações de compra ou venda caso o preço esteja a uma distância de menos de 10% do valor da banda em questão.
Averiguando a volatilidade histórica
Em essência, as bandas de Bollinger são uma ferramenta de estudo da volatilidade de um mercado qualquer, em função de um determinado número de períodos. Quando os resultados desviam muito da média as bandas se expandem; quando se mantém próximos da média, elas se contraem. Isto é, elas são uma ferramenta visual que lhe permite averiguar, de forma bastante intuitiva, o quanto os preços estão oscilando e o quão imprevisíveis são as cotações, algo que é essencial para selecionar ativos conforme os objetivos e tolerância de risco individuais.
Vale lembrar ainda que, do ponto de vista técnico, períodos de volatilidade muito baixa tendem a produzir, em algum momento, um aumento significativo na volatilidade (em relação ao período anterior). Isto é, longos períodos de lateralização no preço tendem a dar origem a períodos de grande oscilação, que de resto podem ou não ter uma direção mais ou menos definida. Por outro lado, grandes oscilações costumam evoluir para períodos de baixa oscilação, num ciclo permanente de equilíbrio-desequilíbrio da oferta e demanda.
Com isso em mente, é interessante prestar atenção no momento atual do ativo para ajustar suas expectativas. Quando as bandas estiverem muito distantes entre si, prepare-se para ver grandes mudanças no preço e, se estão comprimidas, conte com oscilações pequenas no presente, mas movimentos mais relevantes no futuro. Com base nesse indicador bem simples, você conseguirá ter uma visão concreta e confiável do cenário atual de negociação, sem que seja necessário se aprofundar em estudos técnicos mais aprofundados.
Considerações finais
Em minha atuação, prego aquilo que chamo de análise técnica integrada, uma metodologia voltada para desenvolver sistemas que necessariamente devem contemplar preço, volume, volatilidade e fundamentos macroeconômicos. Embora seja unanimidade que a diversificação é saudável nos investimentos, parece que nunca levamos isso a sério no quesito análise, razão pela qual busquei estender essa ponte com colegas fundamentalistas, que convido para entrarem em contato para continuarmos conversando, além das linhas desse texto.
Espero que as contribuições agreguem aos seus estudos e desejo-lhes sucesso nos investimentos, especialmente considerando que os mercados globais seguem se tornando cada vez mais complexos e interligados.
Aquele abraço
André.
CONTATO: afsalmeron@gmail.com