Calma, pessoal, quem me conhece sabe que o título acima é meramente provocativo e mentiroso. Tive a real intenção de fisgar a atenção exatamente daqueles que acreditam que podem viver tranquilamente de day trades na bolsa brasileira. Peço que você leia este artigo até o final e entenda que isso é uma grande enganação. Sei que estou te causando uma frustração, mas prefiro uma frustração pela verdade a uma depressão por uma mentira. Ah, e obviamente não ofereço curso algum que te fará não trabalhar nunca mais!
Um day trade se refere a uma compra e venda do mesmo ativo no mesmo pregão (dia) e não necessariamente nessa ordem, ou seja, podendo ser uma venda com compra posterior. Numa operação de day trade, sua posição ao final é zerada. E chamo a atenção para uma situação em particular: suponha que você possua ações preferenciais da Petrobras (SA:PETR4). Em determinado dia, as ações sobem pela manhã e você resolve vendê-las. Mas, à tarde elas caem de preço e atingem sua zona de conforto para compra, de modo que você decide recomprá-las. Neste caso, e independentemente da sua posição inicial ou mesmo das suas intenções, a operação é considerada sim como um day trade (e será tributada como tal).
A expressão “viver de day trades” se refere à ideia de uma pessoa tentar fazer um salário através de diversas operações de day trades ao longo do mês, comprando e vendendo ações (ou outros ativos) diariamente e muitas vezes em um mesmo dia, sem manter uma carteira de forma consistente. O day trader não tem interesse pelos fundamentos de longo prazo de um determinado papel simplesmente porque ele não deseja apostar no longo prazo do ativo. Para ele, o cerne de sua estratégia está na volatilidade do papel: quanto mais um papel subir e descer diariamente, com constância, mais ele acredita que pode “vencer o mercado”.
Para efeito de argumentação e sem nenhuma perda de generalidade, podemos inicialmente considerar o jogo do day trader como o que conhecemos em Teoria dos Jogos pela expressão “jogo de soma zero”. Um jogo de soma zero tem como característica a não geração de riqueza marginal, de forma que toda riqueza no início do jogo é simplesmente redistribuída ao final dele. Naturalmente, alguns jogadores irão ganhar e outros, perder. É fácil perceber que os resultados positivos dos ganhadores se equivalerão aos resultados negativos dos perdedores. Simples assim.
Um belo exemplo de jogo de soma zero é uma mesa apostada de pôquer entre amigos: fica evidente que não há geração alguma de riqueza ali e todo dinheiro ganho pelos vencedores é o dinheiro perdido pelos outros jogadores. Dessa forma, se você joga pôquer porque acredita que conseguirá ganhar dinheiro, a premissa fundamental por detrás da sua tese é que você acredita ser melhor jogador de pôquer do que os outros jogadores (mesmo que não necessariamente de todos os demais).
Agora, se você pensar num cassino, qualquer jogo ali, tal como a roleta, por exemplo, passa a ter soma negativa para os apostadores. Isso porque eles não geram riqueza marginal alguma e parte da riqueza inicial fica com o cassino, de uma forma ou de outra. Na verdade, este também é o caso dos day trades porque eles envolvem obrigatoriamente custos com corretagem, taxas da bolsa e imposto de renda (20% sobre o lucro).
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Preciso fechar uma janela em minha linha argumentativa. Algum defensor do day trade lifestyle poderia argumentar que a expectativa dos ativos mobiliários na bolsa (em especial, ações) é positiva, pois eles precisam remunerar seus investidores. Não obstante, esse argumento é ineficaz para o nosso contexto, por duas razões distintas e independentes. Primeiramente porque o intervalo de tempo do day trade é extremamente curto e o retorno esperado para aquele período é desprezível, de forma que não excederia os custos da estratégia. Além disso, se a premissa de expectativa de alta (ou mesmo de baixa) do mercado fosse o coração da estratégia de day traders, o melhor seria uma carteira fundamentalista pois, de todo modo, ao zerar a posição, day traders estariam “deixando dinheiro na mesa” para investidores não day traders. Voltemos à argumentação a seguir.
Suponha que você acredite que descobriu (ou aprendeu em um desses cursos milagrosos) uma bela estratégia para viver de day trades. Lembro que, em expectativa, o jogo está contra você e, na média, todos perderão dinheiro. Tal como no pôquer, acreditar que você pode ganhar dinheiro com day trades precisa remetê-lo à seguinte questão: por que sou melhor que a maioria dos outros investidores ao fazer day trades? Sim, não basta você ser melhor do que a média por conta dos custos e do IR: você precisa estar bem acima da média, ou seja, ser melhor do que a maioria. Há outro ponto importantíssimo. Na mesa de pôquer, se os outros jogadores perceberem que tendem a perder dinheiro para você, eles muito provavelmente irão parar de apostar. Em nosso contexto, é a mesma coisa. Os perdedores precisam "se sentar à mesa" para que haja vencedores. Mas, eles se sentam à mesa porque, na verdade, pensam EXATAMENTE como você e também ACHAM que se sairão vencedores. Sugiro refletir bastante a esse respeito.
A grande questão do day trade, como sempre falo em minhas aulas e palestras, é que ele é profundamente sedutor. Você olha o que aconteceu no mercado nos últimos dias e tem a clara sensação de que poderia ter ganhado muito dinheiro. Isso é um viés comportamental, pois tendemos a olhar instintivamente apenas o lado da moeda que mais nos favorece. Aliás, eu poderia discorrer aqui sobre vários aspectos comportamentais que justificam o altíssimo poder de sedução de uma estratégia de lucros rápidos via day trades. Para controlar esse viés, faço uma pergunta desafiadora: se é fácil, por que a outra ponta enxerga e acredita no oposto que você? Em outras palavras, por que os investidores que entregarão suas riquezas a você nos day trades acreditam que irão, na verdade, tomar o seu dinheiro?
Eu já fiz muitos day trades (sim, já tive meus 20 e poucos anos), bem como já tive muitos amigos inteligentíssimos e extremamente qualificados que fizeram. E a história é sempre a mesma: no início, temos a sensação de que ganharemos dinheiro de forma tranquila, mas com o tempo, percebemos que se trata de uma ilusão. Conheço inúmeras histórias de fracassos em day trades e, muito honestamente, não conheço nenhuma história de sucesso consistente quando se trata de day trades continuados.
Há sim aqueles day traders que ganham dinheiro em determinado período, mas sempre relembro que existe a natural aleatoriedade, de forma que esses investidores não necessariamente sairão vitoriosos no período seguinte. Se eu jogar um dado 5 vezes e cerca de oito mil pessoas tentarem adivinhar a sequência de números, é muito provável que alguém acerte. Lembre-se do Joãozinho que acertou na mega-sena! Isso ocorre também na bolsa.
Aliás, se você quiser se aprofundar nesse tema, sugiro a leitura do excelente livro "O Andar do Bêbado: Como o Acaso Determina Nossas Vidas", do físico e matemático Leonard Mlodinow. Ele diz algo importantíssimo e que assino embaixo: "Não estamos preparados para lidar com o aleatório e por isso não percebemos como o acaso interfere em nossas vidas. Tendemos a sempre achar que o sucesso nasce do nosso talento e o fracasso, de nossa má sorte, ou seja, do aleatório".
Por fim, o que a literatura acadêmica diz sobre isso? Elementar meu caro Watson. Para citar apenas o mais recente estudo do tema em nosso país, recomendo a leitura do artigo acadêmico “É Possível Viver de Day Trades?”, dos competentes colegas Fernando Chague e Bruno Giovannetti. Com o devido rigor acadêmico, a conclusão do artigo é mais do que esperada. Não caia em “fanfarronices” de pessoas que querem vender cursos. Basta pensar que se essas pessoas soubessem realmente ganhar dinheiro fácil e sem risco na bolsa, não estariam “perdendo tempo” dando cursos. A educação financeira pode, talvez, não fazer de você um milionário, mas certamente o ajudará a zelar pelo seu dinheiro suado.
Forte abraço a todos vocês.
* Carlos Heitor Campani é PhD em Finanças, Professor Pesquisador do Coppead/UFRJ e especialista em investimentos, previdência e finanças pessoais, corporativas e públicas. Ele pode ser encontrado em www.carlosheitorcampani.com e nas redes sociais: @carlosheitorcampani. Esta coluna sai a cada duas semanas, sempre na sexta-feira.