O que todo mundo quer ouvir
Quem teve a ideia de cortar o tempo em fatias,
a que se deu o nome de ano,
foi um indivíduo genial.
Nem preciso continuar: você já recebeu essa mensagem duzentas vezes — e, em duzentas e uma, a autoria era equivocadamente atribuída ao Drummond. É um verdadeiro hit desde muito antes da invenção dos PowerPoints com trilha sonora da Enya e fotos de fadas, anjos e bebês fofinhos.
Sabe por quê? Porque todo mundo quer ouvir precisamente isto. A despeito de qualquer evidência em contrário que se apresente, todos querem — e agora sim é do mais nobre filho de Itabira — acreditar parvamente que, por decreto de esperança, a partir de janeiro as coisas mudam.
Hoje é um novo dia de um novo tempo que começou? Não é não: que bom que esta bolinha azul conseguiu dar mais uma volta em torno da bola de fogo (em meio a um calor de lascar, diga-se de passagem) sem topar com um asteróide que desse fim à nossa jornada… mas esse feito, por si só, não tem o condão de eliminar as causas de otimismo e preocupação que nos acompanhavam até semana passada.
Que seja pela frente
Europa segue em meio a estímulos monetários do Banco Central Europeu e preocupações em torno dos bancos italianos — já há quem, com base nos requerimentos de capital apontados pelo regulador para o Monte dei Paschi, esteja rodando cenários de estresse com números de outros bancos e ficando preocupado. Logo mais, eleições importantes por lá podem mudar o mapa político da região.
Do outro lado do Atlântico, Trump toma posse em breve — para desespero dos trumpólogos de última hora, que terão sua capacidade preditiva (novamente) testada.
China entra 2017 com esforços redobrados na contenção de excessos nos mercados financeiros, em coexistência com estímulos à atividade econômica e renminbi sob pressão (sobre isso, tem mais no M5M PRO).
Por aqui, desafios incluem reforma da previdência, Temer no TSE e a tão esperada retomada da atividade econômica. E logo começaremos a pensar também em 2018.
Como se não bastasse, o Cebolinha aproveitou seu discurso de ano novo para avisar que ganhou de Natal um míssil intercontinental novinho.
Em 2017 eu finalmente selei o dono da lua!
E isso é só o que já temos visibilidade. Se alguém tinha dúvidas de que não dá para antecipar tudo, presumo que 2016 trouxe lições valiosas. Em suma, preparemo-nos para o que vem pela frente e torçamos para que seja mesmo pela frente.
Já passou a foto
Hoje, quem estava segurando (ou puxando) as cotações das principais ações do fundo pra sair bem na fotografia do fechamento do ano pôde, enfim, parar de colocar ordem só para defender a cota. Já pode soltar o ar e parar de disfarçar a barriga.
Com volume pífio, nossa bolsa opera predominantemente em queda. Nos juros, destaque é queda das taxas de vencimentos mais longínquos. Mas sejamos realistas: ante liquidez ínfima, preços de hoje não merecem ser levados muito a sério — nem para o bem, nem para o mal.
Lá fora, estão fechadas hoje Nova York, Londres e outras praças-chave. Operando a meia-luz (Frankfurt, Paris e outras funcionam), mercado europeu tem dia de leve alta, refletindo dados positivos de sentimento da indústria na região.
Apostas boas e baratas
Eu duvido que haja um único escritório com mais de três pessoas e cuja atividade seja minimamente ligada ao mercado financeiro onde o pessoal não tenha feito a tradicional aposta em torno das melhores ações para o ano à frente.
É do jogo. Uns optarão pelas Merposas da vida, se valendo da máxima “do chão, não passa” (insisto aqui em lembrar que, da mesma forma que desdobram, ações podem grupar). Outros buscarão oportunidades de valor que se encontrem conjunturalmente descontadas, se valendo da ideia de convexidade — dando errado, perde-se pouco; dando certo, ganha-se muito.
O Bruce pertence ao segundo grupo e, fiel à estratégia que permeia as recomendações do Melhores Ações da Bolsa, selecionou quatro oportunidades boas e baratas para 2017.
"E o Bitcoin, Ricardo?"
Eu juro que não queria falar isso. Já perdi a conta de quantas vezes me escreveram perguntando a respeito, e sempre me evadi de responder. Mas vamos lá arranjar a primeira briga do ano…
Começo fazendo questão de esclarecer que eu adoro a ideia de uma divisa na qual governo nenhum pode botar o bedelho e fazer besteira.
Volto no tempo e me lembro do primeiro ano de faculdade. Todo calouro de Economia aprende que são três as funções primordiais de uma moeda: unidade de conta, meio de troca e reserva de valor.
O Bitcoin foi apresentado ao mundo no final de 2008 e implementado no começo de 2009. Somente em 2014 alguns negócios “legítimos” passaram a aceitar a moeda como meio de troca — e, tipicamente, a convertem em moedas “tradicionais” quase instantaneamente. Estimativas (cuja precisão ignoro) apontam algo como 100 mil empresas mundo afora que aceitam a cripto-moeda em suas transações — o que, por mais impressionante que pareça, é pouco em escala mundial. Concluo, assim, que no momento é restrita a aceitação do Bitcoin como meio de troca. Pode mudar? Pode, mas esta é a situação atual.
E como unidade de conta? O fato de até mesmo os maiores entusiastas da cripto-moeda tipicamente a valorarem em relação a outras divisas — e não o contrário —, bem como a ausência de evidência (que não equivale à evidência de ausência, ressalto) de contratos (no sentido amplíssimo) firmados em Bitcoin sugerem que a divisa, na melhor das hipóteses, é pouco usada com essa finalidade. Tem exceção? Deve ter, mas não é a situação predominante.
Aí chegamos à função de reserva de valor. A ideia de reserva se associa a certa invariabilidade ante outros fatores. É o que se busca, por exemplo, com uma cesta de moedas — a expectativa de que, entre valorizações e desvalorizações das diferentes divisas, o poder de compra do estoque de capital permanecerá tão constante quanto possível. Uma rápida olhada no histórico de preços demonstra que a Bitcoin foi, até aqui, extremamente volátil. A julgar pelo passado (com todas as limitações que esse tipo de julgamento impõe), não se presta como reserva de valor.
Dirão os defensores: “ah, mas quem comprou ganhou dinheiro”. Sim! Em 2016, contra o dólar, a valorização foi da ordem de 130 por cento. Mas até mesmo isso reforça a ideia de que a cripto-moeda não está se prestando a nenhuma das funções tradicionais de moeda, mas sim a um “investimento” altamente especulativo. A maciça maioria dos compradores simplesmente espera que o valor continue subindo… até o dia que parar de subir.
Em resumo, não recomendo para ninguém. Quer se proteger de governos? Diversifique entre ativos e geografias tanto quanto possível. Quer comprar algo universalmente aceito? Ouro, prata e outros metais hão de funcionar. Nada será perfeito, mas são todas alternativas mais seguras que a Bitcoin para as finalidades que apontei.
Hoje, é assim que penso. Se mudar de opinião, aviso sem qualquer problema.
(E haverá quem, diante de tudo que escrevi, “refutará” meus argumentos simplesmente mostrando que, entre dois pontos no tempo, a Bitcoin se valorizou X por cento e eu "deixei passar a oportunidade"…)