Se você precisava de mais uma prova de que a maior prioridade dos investidores de títulos públicos é a rentabilidade, o grande interesse despertado pelos papéis do governo da China ultimamente é a resposta.
Não é que esses investidores façam pouco caso de turbulências políticas como as tensões comerciais com os EUA, as sanções mútuas entre altos oficiais em razão da repressão à minoria étnica Uighur ou a controvérsia sobre as enérgicas medidas de segurança de Pequim contra Hong Kong. Tudo isso já está previsto no cálculo de risco-retorno.
Mas, ultimamente, o que tem atraído o foco dos investidores é o retorno mesmo. E, neste momento, os títulos governamentais da China são mais rentáveis do que os treasuries dos EUA ou os papéis da Zona do Euro.
Risco maior, melhor rendimento, mais volatilidade
Os títulos de 10 anos da China rendem atualmente um pouco mais de 3%, contra cerca de 0,6% dos treasuries com vencimento similar e de -0,5% dos bunds de 10 anos da Alemanha.
Fundos estrangeiros compraram US$ 19,4 bilhões líquidos em títulos governamentais denominados em iuanes em maio, mais que o dobro da quantidade registrada em abril. O número total de títulos continentais detidos por investidores externos atingiu a máxima recorde de US$ 343 bilhões no fim de maio, de acordo com o periódico South China Morning Post.
Os investidores claramente acreditam que vale a pena correr um risco extra para garantir um dos melhores rendimentos do mundo em títulos governamentais.
A rentabilidade atual é superior à mínima de cerca de 2,5% registrada em abril, na medida em que fortes vendas impulsionaram os rendimentos (os preços dos títulos se movem em sentido inverso ao dos rendimentos), em meio a um breve otimismo com o controle do coronavírus, fazendo com que os investidores saíssem dos títulos governamentais considerados como “portos seguros” para assumir um risco maior em dívidas com retornos mais elevados.
O otimismo arrefeceu, mas o aumento da rentabilidade dos papéis chineses trouxe os investidores de volta. Os títulos do governo da China, assim como os papéis emitidos por outros grandes países, continuarão voláteis com as idas e vindas da confiança na recuperação econômica mundial.
O Banco Popular da China (BPC) removeu, em maio, a cota de investimento para investidores institucionais qualificados, permitindo que injetassem o quanto quisessem de dinheiro. Trata-se de uma liberalização gradual, motivada pela adição dos papéis chineses em alguns índices internacionais de títulos no ano passado, um movimento que exige que os fundos de índice passivos comprem os títulos.
Enquanto isso, o otimismo com uma recuperação econômica em forma de “V” na China – uma forte queda no crescimento seguida de uma forte alta – está impulsionando as ações do país. Os dados da indústria e das exportações estão mostrando sinais de retomada aos níveis pré-pandemia, muito embora o consumo ainda esteja aquém das expectativas.
Economistas preveem que o PIB a ser divulgado nesta semana mostrará um crescimento no segundo trimestre de 2 a 3%, após um declínio de cerca de 7% no primeiro trimestre, com a aceleração da retomada no segundo semestre.
O iuane continental, altamente controlado, estava caindo abaixo de 7 em relação ao dólar estadunidense na segunda-feira, antes dos dados do PIB, e a expectativa dos analistas é que continue cotado na faixa de US$ 6,98 a 7,04.
Na semana passada, o BPC declarou que não vê a necessidade de um estímulo maior no combate ao coronavírus. Segundo analistas, o banco central chinês pode voltar atrás em certas medidas para flexibilizar a política monetária, como um corte planejado nas reservas obrigatórias dos bancos.
Esse tipo de restrição tem sido responsável por ampliar o spread entre os títulos chineses e o de outros papéis governamentais desde 2012, ao mesmo tempo em que os “bancos centrais ocidentais abriam a torneira monetária”, nas palavras de um importante analista. Claramente, os investidores estrangeiros entenderam a mensagem.