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Imagine dois investidores:
- O primeiro comprou ações da Vale a R$ 70, mas hoje o papel está em R$ 55. Mesmo diante de novos cenários macroeconômicos, ele insiste: “não vou vender agora, vou esperar voltar para R$ 70 para pelo menos empatar”.
- O segundo comprou ações do Itaú a R$ 25 e em poucos meses o preço subiu para R$ 30. Mesmo acreditando que o banco pode se valorizar mais, ele diz: “já ganhei 20%, está ótimo, vou vender antes que caia”.
Essas histórias soam familiares?
São exemplos clássicos do chamado viés de disposição: a tendência de vender rapidamente os ativos que estão em ganho e manter por tempo demais os ativos que estão em perda.
Em agosto de 2025, o National Bureau of Economic Research (NBER) publicou o paper intitulado Financial Advisors and Investors’ Bias, de Marianne Andries, Maxime Bonelli e David Sraer.
O estudo analisou uma intervenção realizada por uma corretora francesa voltada para clientes de alta renda. Em 2018, a empresa decidiu mudar a informação disponível na plataforma interna de seus assessores: retirou os dados sobre preço médio de compra e ganhos/perdas não realizados. Os clientes, por sua vez, continuaram com a mesma visualização.
Esse detalhe aparentemente simples deu origem a um experimento natural muito valioso: seria possível reduzir vieses de investimento mudando a forma como os assessores recebem informação?
A importância do viés de disposição
Para medir o efeito, os pesquisadores utilizaram a métrica proposta por Odean (1998), que compara a proporção de ganhos realizados (PGR) e de perdas realizadas (PLR):
PGR/PLR = (Proporção de Ganhos Realizados) ÷ (Proporção de Perdas Realizadas)
- PGR mostra quantos dos ganhos potenciais foram de fato realizados.
- PLR mostra quantas das perdas potenciais foram efetivamente reconhecidas.
Se a razão for maior que 1, significa que o investidor está vendendo ganhos mais rapidamente do que perdas — evidência de viés. Se estiver próxima de 1, o comportamento é neutro.
No estudo, antes de 2018, tanto clientes assessorados quanto não assessorados apresentavam PGR/PLR em torno de 1,5, exatamente o padrão de viés observado em outros países.
O que aconteceu após a mudança
Depois da alteração na plataforma:
- Entre os clientes altamente assessorados, a razão caiu de 1,5 para 1,1, praticamente eliminando o viés.
- Entre os clientes levemente assessorados, não houve mudança: permaneceram com PGR/PLR de 1,5.
- O resultado foi confirmado em diferentes modelos estatísticos, inclusive análises de risco (hazard models), que mostraram que a probabilidade de realizar ganhos caiu de forma significativa apenas entre os mais assessorados.
Mais do que comportamento, o desempenho também mudou: os clientes altamente assessorados tiveram um ganho adicional de cerca de 0,20 ponto percentual ao mês em retornos brutos. O motivo foi suas carteiras passaram a ter maior exposição ao fator de momentum, já que eles não vendiam tão rapidamente os ativos positivos.
Além disso, esses clientes realizaram mais aportes líquidos em suas contas e reduziram a probabilidade de encerramento das mesmas. Ou seja, ficaram mais satisfeitos e engajados com a corretora.
Em resumo, o estudo mostra que pequenos ajustes na forma como a informação é apresentada podem reduzir vieses como o de disposição e ancoragem, melhorando tanto o comportamento quanto os resultados dos investidores. Isso reforça que a arquitetura da informação é tão importante quanto a recomendação, e que assessores têm papel central em ajudar clientes a tomar decisões mais racionais e eficazes.