Olá, pessoal! A frase título do artigo de hoje é normalmente atribuída ao filósofo grego Sócrates, em que pese não existir essa certeza. A ideia é apresentar algumas nuances comportamentais e/ou psicológicas que muitas vezes nos tiram da racionalidade e fazem com que nossas decisões não sejam as melhores possíveis. Conhecê-las é um passo importantíssimo, sobretudo, para o autoconhecimento.
O contexto deste artigo nasceu de uma ideia que tive há algum tempo: demonstrar diversos conceitos e aspectos comportamentais em Finanças através de enquetes nos stories do meu Instagram. Para quem participar das próximas, basta me seguir por lá (@carlosheitorcampani).
ENQUETE #1 (DUPLA)
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Você prefere: ganhar R$ 1 mil ou apostar par ou ímpar para ganhar R$ 3 mil? RESULTADO: 47% x 53%.
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Você prefere: ganhar R$ 10 milhões ou apostar par ou ímpar para ganhar R$ 30 milhões? RESULTADO: 92% x 8%.
LIÇÃO: Somos avessos ao risco. Mesmo com situações nas quais a expectativa de ganho é positiva, muitos preferem não arriscar. Torna-se racional para muitas pessoas que prefiramos a opção sem risco em detrimento da maior expectativa matemática de ganho. Para essas pessoas, "mais vale um pássaro na mão do que dois voando". Mas, compare com o resultado da enquete II, onde “apenas” mudei a escala de mil para uma dezena de milhões. O que está por detrás da mudança radical, onde agora apenas 8% em vez de 53% das pessoas optaram pelo risco? Trata-se de um conceito fundamental em Finanças e Economia: o de utilidade do dinheiro. O dinheiro não vale pelo seu montante, mas sim pela felicidade que ele produz. É bem possível que R$ 3 mil produzam o triplo da felicidade produzida por R$ 1 mil, mas R$ 30 milhões (certamente para a maioria das pessoas) produzem muito menos que o triplo da felicidade produzida por R$ 10 milhões. Assim, o valor esperado que realmente interessa não é do montante de dinheiro, mas sim da utilidade (isto é, da felicidade) envolvida. Na segunda enquete, a primeira alternativa representa "RESOLVER A MINHA VIDA FINANCEIRA", enquanto a segunda opção arrisca NÃO resolver em prol de RESOLVER e mais R$ 20 milhões. Perceba que o ganho marginal da segunda opção representa pouco frente a “RESOLVER A VIDA FINANCEIRA” sem precisar apostar, em que pese estarmos falando de uma quantia formidável de dinheiro (R$ 20 milhões). Mas, isso passa a importar muito menos frente à alternativa de “RESOLVER A MINHA VIDA FINANCEIRA”, concorda?
ENQUETE #2
Você ganhou uma aposta na Mega-Sena e há dois cartões que você deve escolher. Qual você escolheria?
Cartão 1: 01, 02, 03, 04, 05, 06.
Cartão 2: 04, 13, 27, 31, 39, 48.
RESULTADO: Cartão 1 – 12% e Cartão 2 – 88%.
Comecemos deixando claro que os dois cartões têm exatamente a mesma probabilidade de conterem a sena sorteada. É claro que é muito mais provável que a sena sorteada não tenha seis números em sequência simplesmente porque há muito mais senas não sequenciadas do que sequenciadas. Contudo, ao se comparar quaisquer duas senas, mesmo sendo uma sequenciada e a outra não, as chances são absolutamente iguais.
Temos propensão a escolher o cartão 2 por acreditar que este “é mais aleatório” que o primeiro, elevando suas chances de maneira espúria. Esse efeito psicológico acaba por, na prática, produzir o mesmo efeito que probabilidades distorcidas produziriam. E em nosso dia a dia, esse efeito aparece muitas vezes de forma quase imperceptível, o que acaba por impactar julgamentos e decisões. Se você acha (como eu!) que o cartão 1 tem praticamente zero chances de ocorrer, então racionalize esse pensamento e conclua que esta mesma chance se aplica ao cartão 2.
ENQUETE #3
Seja um palmito que tenha 99% de água. Se ele secar para 98% de água, quanto ele terá perdido de peso?
A: Exatamente 1%. RESULTADO: 9%.
B: Algo próximo de 1%. RESULTADO: 51%.
C: Metade do seu peso. RESULTADO: 22%.
D: Um percentual não exato, mas bem maior que 1%. RESULTADO: 18%.
A resposta correta é a letra C. E, normalmente, muitos ainda duvidam. Primeiro, explico o porquê: sem perda de generalidade, pense em 100g de palmito, de forma que no início haja 99g de água e 1g de qualquer coisa que não seja água. Como o que muda é a massa de água, é mais fácil pensar que o 1g de “qualquer coisa que não seja água” não se altera e, após a perda de água, ele precisa representar 2% de todo o palmito. Para 1g ser 2%, conclui-se por regra de 3 simples que a massa total do palmito precisa ser 50g, ou seja, a metade dos 100g originais. Isso implica na letra C como resposta.
Entretanto, note que mais da metade das pessoas apontou a letra B como resposta, ou seja, uma perda de aproximadamente 1%. Esse resultado pode ser interpretado como consequência de um efeito psicológico importante e que acaba por impactar decisões: o efeito enquadramento. Este efeito (framing effect, em inglês) é o viés que descreve de que modo a tomada de decisão pode ser afetada pela maneira como o problema é formulado ou pela forma como as opções são apresentadas (enquadradas). No caso específico do problema do palmito, eu coloco a situação em torno da massa de água, apresentando dois valores altos: 99% e depois 98%.
Nosso cérebro faz a conta mais fácil, que é a redução de 99% para 98%. De supetão, alguns acabam equivocadamente considerando essa redução como de 1% exatamente, mas a maioria acaba percebendo que essa redução é, na realidade, aproximadamente 1%. Em todo caso, esse gatilho na forma de raciocinar nos conduz para a resposta errada. Para não cair nessa, a saída é realmente acionar o sistema 2 do nosso cérebro (aquele que pensa e analisa com calma), percebendo que o elo para a solução não está no 99%, muito menos no 98%, mas sim em seus complementos: 1% e 2%. Já se eu tivesse posto em termos de massa não-água, dobrar 1% para 2% facilitaria o raciocínio da massa total ter se reduzido pela metade (pois, metade e dobro estão intimamente ligados em nosso cérebro um como o inverso do outor).
ENQUETE #4 (DUPLA)
Uma séria doença ameaça um povoado com 600 mil pessoas. Em cada um dos itens I e II, escolha um programa de saúde a ser implementado.
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Se o programa de saúde A for adotado, 200 mil pessoas serão salvas. Se o programa B for escolhido, existe 1/3 de chances de todos se salvarem e 2/3 de chances de ninguém se salvar. RESULTADO: 46% programa A e 54% programa B.
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Se o programa de saúde A for adotado, 400 mil pessoas morrerão. Se o programa B for escolhido, existe 1/3 de chances de ninguém morrer e 2/3 de chances de todos morrerem. RESULTADO: 19% programa A e 81% programa B.
Se você perceber bem, as duas enquetes acima são rigorosamente iguais, mas a primeira é colocada sob a perspectiva de “vidas salvas”, enquanto a segunda é posta sob a ótica de “mortes”. Os resultados, no entanto, são bem diferentes porque as pessoas se deixam influenciar pela maneira como o contexto é apresentado, quando não deveriam.
Na primeira enquete, o público se dividiu mais ou menos meio a meio, com alguns optando por salvar 200 mil pessoas (e deixando 400 mil morrerem, mas essa consequência não era explicitada) e outros pela incerteza de tentar salvar todas as vidas. Na segunda enquete, os percentuais se desequilibram de forma clara, com a maioria absoluta das pessoas optando pela alternativa de risco. Isso se explica, pois agora a perspectiva deixa claro que escolher a primeira opção significa “matar 400 mil pessoas”, o que afugenta muitos. Antes, essa alternativa era suave, pois focava em “salvar a vida de 200 mil pessoas”, o que é mais simpático para o nosso cérebro.
ENQUETE #5
Há 100 bolinhas numa urna, algumas vermelhas e as outras pretas. Escolha uma opção a fim de ganhar R$ 100 mil reais.
OPÇÃO 1: Na urna, você sabe que há 49 bolinhas pretas e 51 vermelhas e ganhará se sortear uma bolinha preta. RESULTADO: 46%.
OPÇÃO 2: Na urna, você não tem a menor informação a respeito de quantas bolinhas vermelhas ou pretas há e terá de escolher uma cor e sortear uma bolinha com aquela cor. RESULTADO: 54%.
As pessoas tendem a assumir riscos maiores com mais informações em detrimento de riscos menores com menos informações, mesmo quando as probabilidades são contrárias à decisão. Ter menos informações gera extremo desconforto ao nosso cérebro, mesmo quando as nossas chances são maiores.
Na primeira opção acima temos 49% de chances de vitória. Na segunda opção temos 50% pois, em que pese não sabermos quantas bolas pretas e quantas vermelhas há, podemos escolher qualquer uma das cores. Isso faz com que nossas chances sejam sempre 50%. Com isso, a escolha que maximiza nossas chances é a segunda, mas mesmo assim quase metade das pessoas escolheu a opção com menos chance de vitória. Isso porque a ambiguidade da segunda opção faz com que fujamos da racionalidade e, então, acabamos não fazendo a reflexão de que, de fato, temos 50% de chances na segunda opção. E a consequência é uma decisão equivocada.
É isso, pessoal. A ideia foi apresentar um pouco do que faço em minhas redes sociais. Ao conhecer as armadilhas psicológicas que nosso cérebro muitas vezes nos impõe, poderemos evitá-las e tomar as melhores decisões possíveis tanto em nosso dia a dia pessoal quanto, claro, profissional. Espero que tenham gostado. Escrevo sempre com muito carinho e responsabilidade.
Um forte e respeitoso abraço a todos.
* Carlos Heitor Campani é PhD em Finanças, Certificado pelo CNPI e Pesquisador da ENS – Escola de Negócios e Seguros. Além disso, ele é Diretor Acadêmico da iluminus – Academia de Finanças e Sócio-Fundador da CHC Finance e da Four Capital. Campani pode ser encontrado em www.carlosheitorcampani.com e nas redes sociais: @carlosheitorcampani. Esta coluna sai a cada duas semanas, sempre na quinta-feira.