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Desafios e responsabilidades da CPI das Criptomoedas

Publicado 26.09.2023, 11:34

A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) das Criptomoedas emergiu como um importante capítulo na busca por compreender e regulamentar um mercado que, nos últimos anos, se expandiu de forma vertiginosa. Antes de tudo, é crucial compreender a natureza da CPI: um mecanismo pelo qual o parlamento exerce sua prerrogativa constitucional de fiscalização.

No cerne desta investigação estão as alegações de práticas ilícitas cometidas por empresas do setor entre 2019 e 2022. Estas empresas prometeram rendimentos fixos em um ambiente de ativos notoriamente voláteis, atraindo investidores com promessas de lucros extraordinários em curtos períodos e sem taxas de manutenção. Tais promessas, muitas vezes, estavam desconectadas da realidade do mercado, levando à perda substancial de capital por parte dos investidores.

O objetivo da Comissão, conforme declarado pelo Deputado Áureo Ribeiro, presidente da comissão, não é impedir o desenvolvimento do mercado de criptomoedas, mas sim criar um ambiente mais seguro e íntegro. A comissão parte da premissa de que muitas dessas empresas estavam envolvidas em sofisticados esquemas de pirâmides financeiras, recrutando novos investidores para pagar rendimentos aos antigos, enquanto divulgavam informações falsas sobre seus serviços.

A operação de pirâmide é um ciclo vicioso que funciona enquanto novos investidores são atraídos, dando a ilusão de legitimidade e sustentabilidade. No entanto, eventualmente, o esquema desmorona, resultando em perdas substanciais para aqueles que investiram. A CPI também examina casos em que vítimas não apenas deixaram de receber os rendimentos prometidos, mas perderam tudo devido às fraudes cometidas pelas empresas.

A gravidade das fraudes é evidenciada pelo envolvimento de pelo menos 11 empresas e a perda de valores milionários por cada vítima, possivelmente chegando a um prejuízo total multibilionário. A CPI não se limita apenas a investigar, mas também busca aprimorar a legislação técnica das criptomoedas. É importante lembrar que o marco legal (Lei 14.478/22) entrou em vigor apenas em junho de 2023, o que torna a regulamentação um foco crítico da Comissão.

Além disso, a CPI busca coletar informações suficientes para responsabilizar criminalmente as empresas. Isso envolve a investigação de crimes como lavagem de dinheiro e evasão de divisas, com a busca de provas por meio de audiências públicas, documentos e quebras de sigilo.

A entrada em vigor da Lei considerada o Marco Legal dos Criptoativos traz à tona um importante elemento na investigação da CPI das Criptomoedas. Essa legislação tem o potencial de enriquecer a compreensão dos deputados sobre o mercado de criptomoedas, revelando como funcionava precariamente antes da regulamentação e delineando as mudanças que se esperam no futuro.

Entretanto, é fundamental ressaltar que a Lei provavelmente não influenciará diretamente o relatório final da CPI no que diz respeito a possíveis punições para entidades ou indivíduos envolvidos. Isso ocorre porque o novo marco legislativo, que depende de regulamentos complementares, não pode ser aplicado retroativamente, em especial no âmbito de punições. Os crimes previstos na nova Lei, por exemplo, como o estelionato de ativos virtuais (art. 171-A, do CP ) e alterações na Lei de Crimes Contra o Sistema Financeiro nacional, por exemplo, só serão aplicáveis a partir de sua vigência em junho deste ano.

Isso nos leva a uma questão crucial: até que ponto a Comissão ampliará seu escopo para investigar eventos recentes que já estão sujeitos à nova regulamentação? Essa é uma questão importante a ser considerada no desenrolar da investigação, caso ela de fato prossiga.

Por outro lado, a regulamentação mais precisa que está sendo desenvolvida pelo Banco Central, prevista para ser concluída até meados de 2024, estabelece bases sólidas para o setor de ativos virtuais. Essa regulamentação define o Banco Central como o órgão regulador do setor e exige que as prestadoras de serviços de criptoativos obtenham autorização prévia.

Além disso, a nova legislação introduz conceitos anteriormente inexistentes, como a definição de ativos virtuais, e estabelece diretrizes de boas práticas e regulamentos para um mercado que antes operava sem regulamentação específica. Isso pode tornar a CPI mais produtiva e técnica, desde que os deputados se preparem adequadamente para audiências e oitivas.

Embora a Lei não interfira diretamente nas punições da Comissão, pode ter um impacto indireto positivo no setor, contribuindo para uma regulamentação mais sólida e transparente. A investigação da Comissão não se limita a responsabilizar os culpados pelas fraudes, mas também busca aprimorar a regulamentação em seu relatório e parecer final.

No âmago da CPI das Criptomoedas, emerge uma complexa rede de envolvimento de figuras públicas, que, teoricamente, têm origens distintas em relação às investigações. Uma vertente desse envolvimento abrange celebridades que foram citadas e implicadas devido à promoção de empresas sob investigação. A Comissão, talvez em busca de notoriedade e maior atenção para seus esforços, buscou a quebra do sigilo bancário de figuras como o ator Cauã Reymond, bem como apresentadores, tais como Marcelo Tas e Tatá Werneck.

Nesse cenário, as empresas supostamente fraudulentas recorreram à imagem dessas personalidades para conferir credibilidade e atrair mais clientes. A CPI procura envolver essas pessoas, forçando uma ligação à investigação, mesmo que não haja indícios de que tenham conscientemente participado de algo além da promoção de uma empresa que posteriormente foi alvo de fraude. Não se tem evidência de que estes famosos tivessem conhecimento das fraudes e crimes cometidos pela empresa que promoviam.

Outra figura pública envolvida no caso, de forma distinta dos demais, o jogador Ronaldinho Gaúcho foi convocado devido à suposta sociedade ou relação direta com uma empresa investigada em um dos esquemas de pirâmide, que fazia uso de sua marca, nome e imagem em suas atividades. Ronaldinho, ao prestar depoimento, enfatizou que jamais autorizou o uso de sua imagem ou nome pela empresa e que a responsabilidade recai sobre os sócios que agiram sem seu endosso. Ele negou qualquer associação ou participação efetiva na empresa em questão.

Essa teia complexa de suposto envolvimento de celebridades na CPI das Criptomoedas destaca a necessidade de uma investigação minuciosa e imparcial para determinar o grau de responsabilidade de cada parte envolvida, sob pena de uma alarde desnecessário apenas macular a imagem de todas as pessoas vinculadas, sem legitimidade, à CPI. 

A Comissão procura esclarecer não apenas as práticas fraudulentas das empresas, mas também a extensão do envolvimento de personalidades públicas, com o objetivo de alcançar a verdade por trás desses esquemas e promover uma regulamentação mais sólida e transparente no mercado de criptoativos.

Conforme se costuma dizer, uma CPI começa sem que se saiba exatamente como terminará. Neste contexto, a CPI das Criptomoedas continua em andamento, com dois objetivos cruciais que dependem de mais oitivas e audiências: a apuração de responsabilidades criminais e o estabelecimento de diretrizes para a regulamentação abrangente do setor, bem como para a divulgação transparente dessa atividade.

No entanto, existem várias outras considerações importantes a serem feitas à medida que a Comissão prossegue. Primeiramente, é preciso observar se o escândalo das pirâmides financeiras irá expandir seu escopo para abranger setores além do universo das criptomoedas, como sugere a determinação da condução coercitiva de sócios de empresas relacionadas a milhas aéreas, como 123 Milhas, HotMilhas e MaxMilhas, bem como a questão do atendimento ao consumidor.

Outro ponto de preocupação diz respeito à forma como a CPI solicita a participação de pessoas para prestar depoimento, muitas vezes sem fundamentação adequada. É fundamental que a Comissão especifique o status da pessoa convocada/intimada, seja como testemunha ou investigada, para garantir a legitimidade do processo e respeitar os direitos da pessoa frente à Comissão.

Além disso, as quebras de sigilo realizadas pela CPI também são motivo de preocupação. É necessário que tais medidas sejam justificadas e tenham uma base jurídica sólida. Buscar acesso a contas e movimentações financeiras de indivíduos que não são alvo de suspeitas de atividades criminosas ou que não possuem conhecimento de condutas criminosas de terceiros, mas apenas vínculos negociais com empresas investigadas, levanta questões sobre a razoabilidade e a adequação dessas ações.

A CPI das Criptomoedas enfrenta, portanto, uma série de desafios e responsabilidades à medida que busca esclarecer práticas fraudulentas e promover a regulamentação do mercado de criptomoedas. 

O equilíbrio entre investigar irregularidades e respeitar os direitos e a imagem das pessoas envolvidas é uma tarefa complexa, mas crucial para garantir a integridade do processo e a eficácia da Comissão. O desfecho desta investigação permanece incerto, mas sua influência sobre o futuro da regulamentação das criptomoedas no Brasil é inegável.

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