Estou relendo o excelente livro de Maria Clara do Prado, "A real história do Real". (primeira edição em 2005)
Como o próprio titulo diz, tem como objetivo contar um pouco a trajetória do programa econômico que entrou para a história mundial como um dos sucessos mais extraordinários de controle da inflação, como disse o ex-Ministro da Fazenda, Delfim Netto, em seu prefácio.
Os anos anteriores ao Plano Real não foram fáceis; obviamente, a referência mais clara do quão difícil foi tal período não poderia ser outra, senão o nível da inflação brasileira; na altura da confecção do Plano, já em estágio de hiperinflação.
No entanto, como podemos ler logo no início do livro de Maria Claro do Prado, havia algo de positivo naqueles anos complicados que antecederam o "Real"; o debate acadêmico. Pra onde quer que olhássemos, tínhamos um debate econômico
Diz ela na página 20:
"O debate aprofundou-se na segunda metade dos 80, no rastro da democratização, que estimulou novamente o debate econômico criativo no país. Não por acaso, essa efervescência na academia acabou redundando no Plano Cruzado, em 1986" (Prado, Maria Claro, A real história do Real, Ed.2005, Editora Record)
O Brasil vive hoje uma crise econômico-política; talvez, para os mais simplistas, a mesma configuração vista no "Pré-Real". Afinal, às vésperas do "Real", o Brasil conviveu com um processo de impeachment do então Presidente Fernando Collor de Mello, e o lado econômica se apresentava em ruínas, visto essencialmente, pelo lado da hiperinflação brasileira e seus habituais efeitos colaterais.
Porém, numa análise mais rigorosa, compararmos o Brasil de hoje com o Brasil "Pré-Real-1993" seja simplista demais, de modo que incorreríamos em diagnósticos completamente errados para encararmos quadros diametralmente opostos.
Pra início de conversa, se o país cresceu, sob todas as formas, as complexidades dos quadros já escancaram níveis distintos; isto é, se o Brasil aumentou de tamanho demográfico, se tornou mais global, sofisticou suas relações de troca e expandiu seu mercado de capitais, as inúmeras correlações produzidas passam a representar graus distintos de "prós e contras"
Em linguagem popular, "o buraco é mais embaixo"
É fácil entender a diferença
Em 1993-1994, "o Brasil não era nada", éramos um país fechado, o nível de reservas internacionais situava-se abaixo dos US$ 50 bilhões, não tínhamos uma bolha omobiliária, não usufruíramos de uma bolha de commodities e a Bolsa de Valores de São Paulo negociava por mês US$ 20 milhões (valores de 1996)
Hoje, somos um país inserido na era da globalização, nossas reservas estão acima de US$ 300 bilhões, temos uma bolha imobiliária cujos preços dos imóveis subiram em média 3 a 4 vezes nos últimos 6-7 anos nos principais centros de RJ e São Paulo, usufruímos da "talvez maior bolha de commodities de toda a história financeira mundial", estimulada principalmente pela passagem de uma "China rural" para uma "China urbana" e a Bolsa de Valores brasileira negocia cerca de US$ 20 bilhões mensais, cerca de 1000 vezes mais do que em 1996.(ver gráfico abaixo)
Fonte: Bovespa
Em 1993-1994, às vésperas "daquela crise" e ao longo da gestação do Plano Real, como já foi dito, o debate acadêmico era efervescente e dinâmico de tal forma que ecoava pela sociedade todos os dias; todos tinham sua "fórmula mágica" para conter a inflação.
Hoje, o que temos ?
Durante 13 anos do Partido dos Trabalhadores nos foi vendida a ideia de que tudo o que foi feito lá atrás foi uma "herança maldita"; o Brasil de 2003, 2005, 2008, 2010 e 2013 "dava certo" única e exclusivamente por conta do governo petista.
Assim, nada era discutido; íamos para a escola, para a Universidade, para as empresas, e reproduzíamos, como no filme "1984", de George Orwell, que estava tudo no lugar; preços relativos, aposentadoria, salário do funcionário público, preços dos imóveis; até mesmo, como num conto de fadas, até mesmo Saúde e Educação andavam nos trilhos.
Era o país no paraíso.
Debates ? Nenhum. Absolutamente nenhum.
Líderes políticos ? Pra que? Já havia um "Messias".
Problemas ? Problemas havia no país daqueles de olhos azuis, Estados Unidos, Europa. Lá, estavam os problemas.
A "meia-noite" passou, a "Cinderela" voltou pra casa, e a Realidade foi desnuda.
Não tínhamos nada.
Os preços relativos estão completamente "fora do lugar", há aposentadorias demais para contribuições de menos, os salários do funcionalismo público são cerca de 4 vezes superiores aos do setor privado, os preços dos imóveis não cabem no salário de um executivo de primeiro escalão de uma multinacional, quanto mais no salário de um assistente administrativo.
Parte nos foi tirada pela explosão da Bolha das Commodities, parte nos foi tirada por um governo incompetente e populista, que, ao invés de nos preparar para o pior, como uma mãe responsável e educadora, nos vendeu vida fácil e eterna.
Deu tudo errado.
E, não temos nada.
Não temos debate, não temos discussões, não temos líderes.
O que temos hoje parece ser uma combinação de boa vontade misturada com soluções meia-boca.
E, ao que parece, também temos um terreno fértil para vendedores de ilusões, o pior caminho numa estrada escura e esburacada.