“O mercado de ações não é a economia.”
Essa é o argumento mais usado ultimamente para respaldar a narrativa do “bull market”. A questão, entretanto, é a validade dessa afirmativa. Como observei em uma newsletter no fim de semana passado:
“Existe atualmente uma ‘Grande Divisão’ acontecendo entre a economia perto da depressão e a disparada no mercado acionário. Dada a relação entre os dois, não é possível que ambos estejam certos.”
Existe uma relação estreita entre a economia, os resultados corporativos e os preços dos ativos ao longo do tempo. O gráfico abaixo compara esses três fatores desde 1947, com uma estimativa para 2020, usando os últimos dados disponíveis.
Desde 1947, o lucro por ação (LPA) cresceu 6,21% ao ano, ao passo que a economia apresentou uma expansão de 6,47% ao ano. Essa relação estreita entre taxas de crescimento deve ser lógica, principalmente em razão do importante papel que o consumo exerce na equação do PIB.
A função do consumo
Embora os preços das ações possam se desviar da atividade imediata, é possível haver reversões no crescimento econômico real. Isso ocorre porque os resultados corporativos são uma função das despesas com consumo, dos investimentos empresariais, bem como das importações e exportações.
Eu acabei recebendo um e-mail discutindo o ponto:
“O gasto com consumo pessoal depende de empregos e salários, bem como de cadeias de fornecimento intactas. Nenhum desses fatores está em boas condições. Com relação ao desemprego, a taxa U6, que é um indicador mais confiável da saúde do mercado laboral, está em 22,8% atualmente e não para de subir, enquanto a taxa de participação do mercado de trabalho caiu cerca de 60%. Esses fatores não são favoráveis ao crescimento e aos resultados da maioria das empresas.” – A Brinkley, Jr.
Sua avaliação está correta. Existe uma correlação precisa entre o gasto com consumo pessoal e o PIB. Não surpreende o fato de que a contração do consumo em razão do alto desemprego provoque um declínio no crescimento econômico.
Além disso, a correlação também é válida no caso das importações, que são impulsionadas pelo consumo.
As exportações, que respondem por cerca de 40% dos lucros corporativos, também têm uma elevada correlação com o consumo e a atividade econômica relacionada.
Deveria ser evidente que os resultados e lucros corporativos estão altamente correlacionados com a atividade econômica. Embora o investimento empresarial e os gastos governamentais tenham influência na economia, é o consumo que no fim das contas gera lucro.
Preços das ações e a economia
Como afirmamos, no curto prazo, o mercado de ações geralmente se desprende da atividade econômica subjacente, por causa da crença dos investidores de que “desta vez será diferente”.
Infelizmente, nunca é.
Embora não seja tão precisa, a correlação entre a atividade econômica e a oscilação dos preços das ações continua válida. Em 2000 e novamente em 2008, o declínio econômico gerou uma contração dos resultados corporativos de 54% e 88% respectivamente. Tudo isso aconteceu apesar do crescimento incessante dos resultados antes de ambas as contrações anteriores.
Diante dos resultados decepcionantes, os preços das ações se ajustaram em cerca de 50% para realinhar os valuations ao desempenho abaixo do esperado e ao crescimento mais lento dos lucros no futuro. Haja vista que, uma vez mais, o mercado de ações está desconectado da realidade, as contrações passadas nos lucros sugerem que essa situação não durará por muito tempo.
A relação se torna evidente quando observamos a movimentação anual dos preços das ações diante da mudança do PIB no mesmo período.
Novamente, como os preços das ações são impulsionados em parte pela “psicologia” dos participantes do mercado, pode haver períodos de desconexão entre os fundamentos e os mercados. Entretanto, não existe um momento anterior na história em que os fundamentos não acompanhem os preços das ações.
O mercado de ações não é a economia.
Quando o assunto é o estado do mercado, os lucros corporativos são o melhor indicador da força econômica.
A desconexão do mercado acionário com a lucratividade subjacente é garantia de resultados futuros decepcionantes para os investidores. Porém, como sempre foi o caso, os mercados certamente podem “parecer irracionais por mais tempo do que a lógica é capaz de prever”.
Vale dizer, no entanto, que essas desconexões nunca duram indefinidamente.
“As margens de lucro são provavelmente o maior indicador de retorno à média nas finanças, e se elas não fizerem isso, deve haver algo muito errado com o capitalismo.Se os altos lucros não atraírem a concorrência, existe algo de errado com o sistema, que não deve estar funcionando adequadamente.” – Jeremy Grantham
Como mostramos, quando observamos as margens de lucro ajustadas pela inflação como porcentagem do PIB real, vemos um processo de retorno à média com o tempo. Evidentemente, esses eventos sempre coincidem com recessões, crises ou mercados de baixa.
Como mostramos abaixo, picos e reversões subsequentes no índice têm sido o principal indicador de contrações mais severas no mercado de ações com o tempo. Isso não deveria ser uma surpresa, na medida em que os preços dos ativos eventualmente devem refletir a realidade subjacente da lucratividade corporativa.
O mais importante é que as margens de lucro possuem restrições físicas. Para cada dólar de receita gerado existem custos como infraestrutura, P&D, salários etc. Atualmente, um dos maiores beneficiários da expansão das margens de lucro tem sido a supressão do emprego, o crescimento dos salários e os custos de crédito extremamente baixos. A recessão provocará um colapso bastante acentuado no lucro corporativo, à medida que o consumo cai.
As recessões revertem os excessos
O gráfico abaixo mede a mudança cumulativa no índice S&P 500 em comparação com os lucros corporativos. Novamente, constatamos que, quando os investidores pagam mais de US$ 1 para gerar um lucro de US$ 1, ocorre uma reversão desses excessos.
A correlação fica mais evidente quando analisamos o mercado com base na relação dos lucros corporativos com o PIB. Novamente, como esse indicador é uma função do crescimento econômico, espera-se uma correlação.Dessa forma, o mesmo se aplica à reversão iminente em ambas as séries.
Até agora, parecia haver uma fórmula simples em que, desde que o Fed permanecesse ativo no suporte dos preços dos ativos, o desvio entre os fundamentos e a fantasia não importava.Tem sido difícil argumentar contra.
Entretanto, o que começou e ainda não terminou é o processo de “retorno à média”, que sempre ocorreu após as altas dos mercados. Isso não deveria ser uma surpresa para ninguém, na medida em que os preços dos ativos eventualmente refletem a realidade subjacente da lucratividade corporativa.
As recessões revertem os excessos.
Disparando em direção à incerteza
Embora possa parecer que, por um momento, os preços das ações possam seguir desconectados da devastação econômica, isso não acontece indefinidamente. Isso se aplica especialmente ao caso atual, pois as ações estão subindo apesar de uma lista crescente de incertezas. (Adaptado de Doug Kass).
- A “proposta de valor” não existe mais.
- Queda de verão? A sazonalidade está começando a mostrar seus efeitos.
- Os lucros corporativos têm sido constantes desde 2014 e devem apresentar uma grande deterioração.
- Minhas estimativas de LPA do S&P 500 estão bem abaixo do consenso de US$ 80-90/por ação.
- Os desafios econômicos daqui para frente absorverão a enorme liquidez do Fed.
- O Federal Reserve já está desacelerando rapidamente a taxa de flexibilização quantitativa.
- 5 ações dominam o mercado e são responsáveis pelo rali.
- Ações de pequena e média capitalização ficaram bem para trás.
- Os participantes do mercado retornaram rapidamente a comportamentos exuberantes durante o rali.
- Ninguém quer comprar no fundo de um "bear market”.
- A disparada nas dívidas e déficits são retardantes econômicos, que eventualmente se refletirão nos resultados, lucros e crescimento econômico mais fraco.
- A vitória de um presidente democrata pode não agradar o mercado.
- A atividade de recompra de ações, que ocorreu durante praticamente todo o do avanço dos mercados nos últimos anos, está desacelerando forte.
- Os problemas dos planos previdenciários devem se tornar ainda maiores, como discutimos anteriormente.
- Os títulos públicos não concordam com o mercado acionário. Os títulos, com muita frequência, estão certos.
- Trump está prestes a reiniciar uma guerra comercial com a China.
Conclusão
Existe um número muito grande de fatores que podem dar errado nos próximos meses. Esse é o caso da disparada do mercado de ações diante do enfraquecimento dos fundamentos.
Enquanto os investidores se aferram à “esperança” de que o Fed tem tudo sob controle, existe uma chance mais do que razoável de que não.
Independente disso, existe uma verdade simples.
“O mercado de ações NÃO é a economia. Mas a economia é reflexo daquilo que dá suporte aos preços mais altos dos ativos: lucros corporativos.”