Há notoriamente um “corner” relevante a ser superado pelo FED/FOMC no seu objetivo de dar início ao desmonte do programa de incentivo monetário implantado, focando estimular a reativação da economia americana.
Até que ponto dar o “start” no desmonte pode comprometer os avanços já conquistados, pois a consequência seria a alta da taxa de juro dos Treasuries e este fato seria desestimulador da geração de emprego pela economia americana?
Esta é a questão!
O FED deixou claro que a ideia é pensar em alterar a taxa básica de juro americana somente quando o desemprego chegar a 6,5%. Neste momento está em 7,3%. O comportamento deste indicador poderá ser também o determinante para o início do desmonte do programa, para preservar as conquistas até agora alcançadas e não desestimular a continuidade da redução do desemprego.
Ao que tudo indica a tomada desta decisão implicará em avaliações rigorosas, visto que a elevação do juro dos Treasuries consequente da desvalorização destes papéis face a redução do programa de incentivos pode contaminar a economia americana de forma negativa.
Segundo o economista Mark Gertler, professor da Universidade de New York, o impacto da política fiscal sobre a atividade econômica teve um grande impacto na decisão do FED de não reduzir as compras de ativos na reunião de quarta-feira. A política monetária não teria de ser tão expansionista se a fiscal fosse responsável.
Tudo leva a crer que a estratégia do atual Presidente do FED, Ben Bernanke, tende ser a de deixar para o seu sucessor a tomada desta decisão, o que pode dar uma sobrevida ao programa muito maior do que o que vinha sendo previsto, dada a percepção de que há evidências de que o afrouxamento quantitativo é eficaz.
Para os países emergentes que já se viam sob o risco de forte saída de recursos externos investidos em renda fixa e renda variável, muito dos quais com problemas inflacionários que acabavam sendo pressionados ainda mais pela elevação dos preços de suas moedas frente ao dólar, isto significa um alívio importante.
O Brasil está neste contexto e a inflação presente, que é forte a despeito de ter sido mitigada com desonerações pontuais, contenção do preço dos combustíveis e busca de reduzir as tarifas de energia e de transportes públicos tem muito a ganhar com as novas perspectivas.
A liquidez em moeda estrangeira auto gerada pelo próprio mercado de câmbio tornou-se escassa com a queda de fluxos de recursos externos, que num dado momento sofreu bloqueios normativos e/ou tributários e que perduraram com o governo perdendo o “timming” para retirá-los, mesmo quando já havia sinais de que o Brasil perdia atratividade perante os investidores estrangeiros.
Este fato provocou a elevação do preço da moeda americana e ao mesmo tempo a formação de estratégias por investidores especuladores no mercado futuro que forjavam artificialmente alta exacerbada que exigiram ação do BC com ofertas continuas de “swaps cambiais” para “hedge”, que num certo ponto estavam contribuindo para a especulação e menos para “hedge”. O resultado foi o efeito sobre os preços da economia que foram repercutidos e ainda estão repercutindo nos indicadores inflacionários.
A balança comercial brasileira afetada pelo alto volume de importação de combustíveis e insumos e bens acabados e, também, pela baixa competitividade do produto manufaturado brasileiro no exterior, queda da demanda chinesa das nossas commodities face à demanda menor da China, tende a ter um superávit baixíssimo ou até mesmo fechar o ano negativo.
Enfim, todo este contexto desfavorável nas contas externas colocou o país num quadro de crescente déficit em transações correntes, com forte insuficiência de ingressos para financiá-lo, o que sugeria que o BC fosse levado a realizar oferta de divisas à vista para suprir às necessidades do mercado e esta era a expectativa dos especuladores para detonarem movimento intenso de depreciação do real.
Contudo, houve por bem o BC estabelecer um programa de oferta de liquidez mínima em montantes definidos ao mercado à vista e ao mercado futuro a partir de 22 de agosto último. No primeiro com oferta de linhas de financiamento em moeda estrangeira aos bancos para que ancorassem “posições vendidas” no mercado à vista, a partir das quais passariam a gerar a liquidez no mercado à vista, e no segundo, com oferta de “swaps cambiais”.
Naturalmente, “não há especulação que resista à fartura” e com isto o BC conseguiu expurgar do preço da moeda o conteúdo especulativo integrante da formação do preço. Foi eficaz, com uma estratégia simples e inteligente.
Contudo, estas ações do BC contiveram a escalada altista artificial do preço da moeda americana no nosso mercado, mas não resolveram a carência de fluxo de ingressos de recursos suficientes para recuperar o fluxo cambial e criar a perspectiva de que o país conseguirá os recursos externos suficientes para financiar o déficit em transações correntes.
A decisão do FED de manutenção do seu programa trouxe a perspectiva de que capitais especulativos sejam deslocados para o Brasil, em montante suficiente para restabelecer o equilíbrio do nosso fluxo cambial e gerando a complementariedade dos recursos externos faltantes para financiar o déficit em transações correntes.
Esta perspectiva é que causou o impacto provocando a relevante apreciação do real, que no primeiro momento ocorreu de forma exagerada, visto que os números atuais de fluxo ainda são negativos e os bancos em decorrência estão operando com posições “vendidas”, mas a perspectiva por si só deve colocar o preço da moeda americana na faixa de R$ 2,20 a R$ 2,25, por um período de curto prazo, sendo mantida nossa projeção de R$ 2,30 para o final do ano.
Como dissemos, por enquanto cria a perspectiva que, contudo, precisa se consolidar, por isso nos parece um tanto quanto impontual e precipitada a declaração do Ministro Mantega de que o BC poderá alterar o seu programa de oferta de liquidez.
A rigor, nada deve mudar e nem ser insinuado por parte do governo neste quesito, sendo passível de avaliação se a perspectiva vier a se confirmar efetivamente e em volume adequado. A simples menção da possibilidade por parte de uma autoridade maior afeta o mercado de câmbio e isto precisa ser evitado.
Embora o preço do dólar mais baixo pressione menos a inflação, que, contudo, continua forte, a política monetária não deve interromper o ciclo de aperto, devendo ser mantida a elevação da taxa Selic.
A decisão do FED de manter o seu programa de incentivo e com indícios de que a sua alteração poderá vir a acontecer num momento não tão próximo poderá ser bastante positivo para o Brasil, pois ocorre uma reversão de expectativa.
Neste interregno em que poderão fluir para o Brasil consideráveis volumes de capitais especulativos, o governo poderá definir as licitações/concessões, focando a recuperação da infraestrutura do país, que tem potencial de atrair volumosos investimentos para o Brasil.