M&A de Marfrig (MRFG3) e BRF (BRFS3): O que avaliar como acionista minoritário?

Publicado 16.06.2025, 13:30

Prezado leitor,

Em meados do mês passado, o noticiário corporativo brasileiro recebeu um relevante anúncio: Marfrig (BVMF:MRFG3) e BRF (BVMF:BRFS3), duas companhias brasileiras que figuram dentre as líderes de seu setor (proteína animal), acordaram uma fusão de suas operações. Do movimento nascerá a “MBRF”, corporação com receita líquida anual potencialmente superior a R$ 200 bilhões.

Recém anunciada, essa convergência resulta de uma longa e multifacetada história. Uma primeira tentativa de fusão ocorreu em 2019, porém, as tratativas não avançaram à época, pois não houve um acordo quanto à governança da nova empresa. Dois anos depois (maio de 2021), a Marfrig anunciou por meio de fato relevante ter adquirido aproximadamente 24% das ações ordinárias da BRF, assumindo a posição de maior acionista individual da companhia. Não parou por aí: no ano seguinte, a Marfrig assumiu o controle da BRF, detendo cerca de 33% do capital votante. Essa participação seguiu aumentando gradualmente nos meses subsequentes, até superar 50% em 2023, ano em que se excluiu a cláusula de poison pill do estatuto da BRF. O anúncio da fusão finaliza um longo processo, marcado por resistências do conselho da BRF, debates sobre governança e questões regulatórias.

Diante desse pano de fundo, decidi dedicar este artigo para tratar sobre três aspectos essenciais do universo de fusões e aquisições: as motivações típicas que embasam um processo de M&A, a natureza das sinergias e, por fim, os desafios por muitas vezes menosprezados associados à integração entre as companhias envolvidas na operação.

O que tipicamente motiva uma fusão ou aquisição?

Quando se pensa em M&A, alguns distintos motivadores destacam-se. Do ponto de vista de crescimento, adquirir um concorrente pode ser uma oportunidade para a companhia aumentar seu market share de forma acelerada ou estrear em um novo mercado que atualmente não faça parte de seus domínios. Uma fusão ou aquisição pode ser também uma ferramenta estratégica para se ter acesso a valiosos recursos, como, por exemplo, capital humano de qualidade (profissionais de destaque) e/ou uma tecnologia específica cujo desenvolvimento interno não seja viável. Existem ainda motivadores mais específicos, como, por exemplo, otimização tributária, além de operações realizadas por oportunismo (aqui sem nenhum sentido pejorativo), como a aquisição de uma companhia passando por um cenário de estresse e/ou uma operação visando aproveitar um cenário macroeconômico favorável. A lista de possíveis motivos é longa, mas na grande maioria das operações uma palavra é repetida à exaustão: “sinergias”.

As famosas sinergias

O conceito de sinergia pode ser resumido como um valor adicional criado a partir da combinação de duas empresas. Em termos matemáticos, é quando 1 + 1 > 2. De modo geral, as sinergias podem ser agrupadas em três grandes categorias:

  • Operacionais: Relacionadas à eficiência de processos. Incluem redução de custos ao eliminar sobreposições administrativas, ganhos logísticos, melhoria na utilização de capacidade instalada e ganhos de escala em função de maior poder de barganha junto à cadeia de fornecedores.

  • Comerciais: Relacionadas à ampliação de receitas e fortalecimento de posicionamento competitivo. Podem envolver aproveitamento da complementaridade de portfólios, aumento do alcance de marcas, estratégias de “cross-selling” (venda de produtos complementares ao que o cliente já adquiriu), “up-selling” (venda de produtos mais desenvolvidos do que o cliente já adquiriu) e exploração de canais de distribuição diversos e mais robustos.

  • Financeiras: Decorrentes de uma estrutura de capital mais eficiente (potencialmente envolvendo maior poder de barganha junto a instituições financeiras), eventualmente incluindo benefícios fiscais e/ou aproveitamento eficaz de créditos/prejuízos tributários.

Para efeito ilustrativo, no caso que motivou o presente artigo (Marfrig/BRF), as companhias estimam sinergias de R$ 485 milhões por ano atreladas a aumento de receitas e redução de custos, R$ 320 milhões por ano em função de redução de despesas e consequente otimização fiscal estimada em R$ 3 bilhões (a valor presente).

PMI: quando as estimativas são postas à prova

Se a empolgação costuma ser protagonista em anúncios de relevantes operações de M&A, o processo de integração que se inicia na sequência (denominado “Post Merger Integration” ou “PMI”) é um capítulo da história que usualmente exige maturidade e disciplina. Uma afirmativa comum de quem transita pelo meio corporativo é que “a planilha aceita tudo”. E é na etapa de integração que todas as premissas e cenários que constam nas modelagens financeiras cuidadosamente elaboradas pelos dois lados (e respectivos assessores) são postos a prova.

Dentre os principais desafios que emergem durante o PMI e que fazem com que as sinergias ora projetadas não se materializem, pode-se destacar:

  1. Integração cultural e retenção de talentos: Empresas possuem identidades, práticas de gestão e culturas organizacionais distintas. A dificuldade em unificar propósitos, motivar as equipes e reter talentos impacta diretamente o desempenho operacional. Como dito por Peter Drucker, considerado por muitos o “pai” da administração moderna, “culture eats strategy for breakfast” (em tradução livre, “a cultura come a estratégia no café da manhã”).

  2. Padronização de sistemas e processos: Mesclar sistemas ERP, controles internos, normas, políticas etc. pode se tornar uma tarefa hercúlea em M&As de grande porte. Pequenas falhas ou atrasos nessa frente podem resultar em grandes impactos financeiros para a nova companhia, seja por gastos não previstos e/ou por ruptura na cadeia de fornecimento.

  3. Governança e engajamento de stakeholders: Em meio a toda a complexidade da integração, manter a transparência para o mercado, comunicação clara com stakeholders (investidores, fornecedores e clientes) e alinhamento com órgãos regulatórios é fundamental. Não destruir os relacionamentos construídos individualmente de forma pregressa por ambas as companhias é chave para que o processo seja bem-sucedido.

Relatórios de respeitadas casas (tais como McKinsey, Deloitte e PwC) recorrentemente mostram que grande parte dos M&As falha em entregar por completo as sinergias previstas no momento do anúncio, seja por questões culturais, desafios operacionais e/ou mudanças de cenário macroeconômico.

Frente a esse cenário, ao que um investidor minoritário deve se atentar?

Expostos todos os pontos acima, chegamos à provocação apresentada no título do artigo. Em síntese, é importante que um acionista minoritário esteja preparado para compreender a complexidade e a amplitude dos fatores que permeiam um processo de fusão e aquisição, buscando entender a motivação da operação e as alavancas de valor envolvidas. Confirmado o M&A, é fundamental que se acompanhe de forma criteriosa a integração, verificando sempre se as sinergias mencionadas para justificar o acordo estão de fato se materializando. É natural que haja empolgação quando anunciado um movimento de grande porte, mas grandes investidores mantém a frieza em momentos como esses, analisando a fundo tudo que está envolvido na operação, se necessário reprecificando a companhia e reavaliando se aquela posição ainda é adequada para seus objetivos.

Nesse sentido, espero que este texto lhe seja útil e que em uma próxima vez que se veja frente a um M&A envolvendo uma companhia que consta em sua carteira de investimentos possa utilizar os conceitos aqui apresentados para conduzir uma análise robusta e bem fundamentada. Fico, como sempre, à disposição por meio dos comentários, por e-mail ou pelo LinkedIn.

Uma ótima semana!

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