Em uma matéria de junho de 2022, o The New York Times comentou sobre a rebelião dos funcionários para voltar a trabalhar nos escritórios das empresas com o fim (ou, vá lá, a “normalização”) da pandemia. O desejo de não retornar tem várias justificativas: cuidar melhor das crianças, o aumento no preço dos combustíveis, eventuais picos de (re-)contaminação por Covid-19, entre outras. Um gerente da NBCUniversal comentou: “Por mais que resmungássemos sobre voltar ao trabalho, todos sabíamos que isso ia acontecer. Mas no segundo momento, em que começamos a voltar, percebemos o quão idiota era”.
O The Wall Street Journal apontou que em áreas urbanas onde as pessoas vivem mais perto do trabalho as taxas de retorno ao escritório foram mais altas. Ou seja, talvez o escritório em si não seja o maior problema, mas sim chegar até ele. Oito das dez cidades norte-americanas com as quedas mais acentuadas na ocupação de escritórios tinham deslocamentos de ida que duravam mais de meia hora, em média, antes da pandemia. Uma série de pesquisas associam o tempo gasto no translado diário como uma das principais fontes de infelicidade. Agora que a pandemia nos mostrou ser possível se livrar disto, faz sentido tudo voltar a ser como antes? Além do tempo, a falta de conforto das opções de transporte público torna a opção de volta ao trabalho presencial bem menos atraente.
Nos Estados Unidos, continua a cair o otimismo daqueles que apostavam na volta plena aos escritórios. No início de 2021, os executivos acreditavam que 50% das pessoas retornariam ao ambiente de trabalho de segunda a sexta-feira. Em meados de 2022, este percentual caiu para 20% segundo pesquisa da Gartner. Parece que os norte-americanos desejam o trabalho flexível. Esta possibilidade começa a ser diferencial competitivo para contratar talentos no mercado. Um arranjo de trabalho flexível foi a terceira justificativa mais popular para buscar um novo emprego, perdendo apenas para um salário maior e melhores perspectivas de carreira. No Brasil ainda faltam estudos abrangentes, mas a situação não parece ser muito diferente entre os trabalhadores mais qualificados.
É preciso ressaltar que a grande maioria dos trabalhadores, seja nos EUA, no Brasil ou no restante do mundo, continuou a trabalhar de modo presencial mesmo durante a pandemia. São trabalhadores do setor de serviços e de empregos com baixos salários. Por outro lado, os que puderam trabalhar de modo remoto descobriram as vantagens da flexibilidade em suas vidas. Em janeiro de 2022, uma pesquisa do Pew Research Center apontou que 60% dos trabalhadores remotos queriam continuar assim a maior parte do tempo. Ou, se possível, todo o tempo.
Mesmo algumas das grandes empresas que afirmaram querer a volta plena ao trabalho no escritório começaram a recuar em sua decisão. A Apple (NASDAQ:AAPL) (BVMF:AAPL34) suspendeu a exigência de que os funcionários retornassem ao escritório pelo menos três dias por semana. A consultoria McKinsey tem discutido normas mais claras sobre comparecimento presencial, mas tem permitido que seus consultores estabeleçam acordos com clientes e gerentes de projeto. O Google (NASDAQ:GOOGL) (BVMF:GOGL34) adiou o retorno antes planejado para janeiro de 2022 e já deu permissão para cerca de 10% de seus funcionários ficarem totalmente remotos. Outras empresas permitiram que gestores e equipes definissem suas próprias expectativas. Muitas empresas parecem convencidas de que exigir um retorno ao escritório pode significar perder talentos. Para alguns, uma cultura centrada no escritório está se tornando uma peculiaridade, não uma norma.
Como contraponto, outros executivos estão insistindo no retorno a todo vapor, confiantes no valor de ter pessoas em suas mesas cinco dias por semana. Tom Siebel, executivo-chefe da C3 AI, uma empresa de inteligência artificial com 800 funcionários, exigiu que todos voltassem ao escritório em tempo integral em junho de 2021. Ele disse que a exigência só aumentou o apelo da empresa para um certo tipo de candidato a emprego. “Para as pessoas que querem trabalhar em casa no Zoom, existem empresas que são assim”, disse ele. “Vá trabalhar para o Facebook (NASDAQ:META) (BVMF:M1TA34). Vá trabalhar para a Salesforce.com (NYSE:CRM) (BVMF:SSFO34).” Siebel disse que tinha “o único estacionamento cheio no Vale do Silício”, o que considerava uma vantagem competitiva. “Não inventamos foguetes que aterrissam sozinhos com pessoas que trabalham em chamadas de Zoom uma vez por semana”, acrescentou ele. “Temos que nos reunir em uma sala e escrever em quadros brancos e falhar (e falhar e falhar) até ter sucesso.”
Entretanto, muitas empresas (e a maioria dos funcionários), parecem se questionar se não seria possível ter o melhor dos dois mundos. Não poderíamos ter descoberto a chave para um local de trabalho mais produtivo? Ao menos foi isto que apontou a empresa de software Citrix em uma pesquisa recente, ao entrevistar mais de 2.800 trabalhadores do conhecimento e líderes empresariais. Cerca de 71% dos trabalhadores híbridos relataram que têm uma forte conexão com seus colegas que os faz querer trabalhar mais, em comparação com 63% dos trabalhadores no escritório e 60% dos funcionários remotos. Os trabalhadores híbridos também foram mais propensos a dizer que têm uma conexão mais forte com sua liderança. No geral, eles relataram se sentir mais produtivos, engajados e otimistas sobre seu desempenho do que aqueles que trabalham só remotamente ou apenas no escritório.
O jornal Washington Post levantou tendências nos ambientes de escritório neste novo modelo híbrido. As empresas que esperam atrair trabalhadores flexíveis estão montando cafeterias, adicionando paredes móveis e investindo em espaços de retiro no meio da natureza. Para promover a colaboração, uma empresa removeu 66% de suas mesas e reorganizou seu escritório em “bairros”, cada um com a sensação casual de uma sala de estar. À medida que as empresas lidam com o aumento do trabalho remoto, ainda não está claro como, exatamente, o futuro escritório funcionará.
A McKinsey defende que locais de trabalho estrategicamente localizados, construídos com um propósito e integrados à estratégia, à cultura e ao modelo operacional de uma empresa são mais importantes do que nunca. Por outro lado, a enorme maioria das empresas do mundo trata seus escritórios como centros de custo. A pandemia trouxe a oportunidade de tais empresas reavaliarem suas políticas de real state: quantos imóveis ter, como usá-los e quanto gastar com eles. Em outras palavras, integrar esta área com a estratégia no nível mais alto.
Em suma, se o real state realmente se tornar uma fonte de vantagem competitiva fora de setores óbvios como o varejo (localização, localização e localização!), terá que começar a ser olhado com mais atenção. Sob a ótica dos investidores, talvez comece a valer a pena priorizar ações de empresas que parecem ter se encontrado neste novo mundo pós-pandemia. Ou ao menos começar a considerar também esta nova variável no momento de decidir a alocação de sua carteira de investimentos.
p.s. Por outro lado, o exemplo citado do varejo, onde o real state sempre foi rei (alô McDonald’s!), talvez esteja com os dias contados. Com o exponencial aumento das compras online, a logística de entregas se torna tão ou mais importante que a localização das lojas físicas. Não à toa, a empresa de pesquisa financeira FactSet apontou que a líder no varejo físico (Walmart (NYSE:WMT)) está perdendo o posto de maior empresa do mundo em faturamento para a líder no varejo online (Amazon (NASDAQ:AMZN)). Em termos de valor de mercado, isto já aconteceu há muitos anos. Investir bem continua significando tentar antecipar tendências. E, claro, ponderar as incertezas.
*Luís Antônio Dib é professor do quadro permanente do COPPEAD, consultor e palestrante. Ele é mestre e doutor em Administração, além de possuir certificações da Harvard Business School. Dib já criou e coordenou diversos cursos de pós-graduação e ministra disciplinas nas áreas de Julgamento e Tomada de Decisão, Estratégia, Negociação e Internacionalização. Sua experiência profissional inclui cargos executivos na Shell (NYSE:SHEL), Telefônica (BVMF:VIVT3) e TIM (BVMF:TIMS3), além de vários anos como consultor de alta gestão pela Booz-Allen.
Dib discute conceitos complexos do mundo dos negócios e o impacto estratégico de novas tecnologias de forma clara, direta e bem-humorada, sendo um dos mais importantes interlocutores brasileiros para questões ligadas à gestão de empresas.