Publicado originalmente em inglês em 04/08/2020
O acordo firmado entre os líderes da União Europeia para emitir € 750 bilhões em títulos destinados a ajudar a financiar a recuperação pós-covid-19 já está deixando muitos investidores e analistas com água na boca. A primeira emissão significativa de dívida conjunta pelo bloco está sendo considerada como um concorrente dos treasuries, títulos do tesouro dos EUA, na condição de referência nessa classe de ativos.
Para esses investidores, isso é só o começo. Apesar de todos os protestos pelo fato de ser uma iniciativa única e temporária, os líderes europeus encontrarão muitas desculpas para satisfazer os mercados agora que o gênio saiu da lâmpada. Para os otimistas, essa ação representa uma transformação dos mercados de capitais.
Rumo a uma união mais perfeita ou não deve ser uma aposta segura?
Tudo indica que os títulos da UE tirarão dos bunds da Alemanha o posto de referência em termos de taxa de juros para o euro, já que a elevada classificação de risco da região (triplo “A” pela Moody’s e Fitch e duplo “A” pela Standard & Poor’s) faz com que esses títulos se tornem um padrão de comparação.
Quem sabe. Embora analistas calculem que a Comissão Europeia emitirá cerca de € 200 bilhões em títulos para a covid por ano ao longo de três anos a partir de 2021, a iniciativa fica aquém da emissão de quase € 220 bilhões planejada pelos alemães. Alemanha, França e Itália terão uma dívida pendente maior do que a da UE, mesmo considerando empréstimos pelo Mecanismo de Estabilidade Europeia e o Banco de Investimento Europeu.
A Alemanha está um pouco melhor em termos de classificação de risco (triplo A em todas as agências), sem falar que a classificação da UE ainda não se estabeleceu de forma definitiva. A nova dívida do bloco, como ressaltaram alguns analistas cautelosos, não terá uma cláusula de inadimplemento: países individuais não serão obrigados a quitar o débito em caso de default. Nesse sentido, os novos títulos não representam uma revolução na mutualização de dívida como disseram alguns e não é o momento hamiltoniano da UE.
Depois de conseguir fechar um compromisso além das expectativas, os líderes da UE desfrutam agora da aprovação dos investidores – e das agências de classificação. Será que a perspectiva teria sido tão positiva assim para a emissão desses títulos quando o bloco estava imerso na crise das dívidas soberanas há alguns anos? Será que permanecerá tão positiva na próxima crise, com esse mecanismo de endividamento improvisado às pressas e o apoio relutante de alguns membros?
Para os otimistas, a emissão dos títulos dará à UE o impulso necessário para avançar em direção àquela quimérica união fiscal, bancária e de capitais com a qual vem sonhando desde a implantação do euro, em busca de uma união mais perfeita. Depois de mais de 20 anos de introdução do euro, a moeda ainda precisa funcionar dessa forma.
Mas, assim que passar a emergência, é mais provável que as prerrogativas nacionais sejam reafirmadas. Mesmo no caldeirão de uma pandemia, os líderes da UE precisaram dedicar quatro sessões que vararam a noite e contar com o peso combinado da França e da Alemanha para vencer a resistência de países “frugais” como Holanda e Áustria. Somente o prestígio da chanceler Angela Merkel conseguiu evitar que a Alemanha estivesse entre os países resistentes.
Os investidores, por sua vez, devem encarar com bons olhos os novos títulos da UE como uma alternativa aos bunds da Alemanha, já que estes rendem neste momento menos de -0,50% em 10 anos. Os atuais títulos da UE com vencimento comparável, que seguem os papéis do governo francês, estão rendendo cerca de -0,20%.
Acredita-se que os rendimentos dos títulos da Alemanha subirão à medida que os investidores recorrerem aos papéis do bloco e o país passar a inundar o mercado com emissões maiores do que o normal para fazer frente ao déficit gerado pela covid, uma reversão em relação à política de equilíbrio orçamentário que manteve baixa a oferta de bunds nos anos anteriores.
A aprovação dos títulos da UE se deve não só ao fato de serem uma alternativa aos treasuries dos EUA, mas também ao impulso que o euro ganhará como moeda de reserva, à medida que os bancos centrais adquirirem os papéis em sua política de câmbio externo.
Quem sabe. Mas os rendimentos dos títulos de 10 anos dos EUA ainda estão em território positivo, e a persistente especulação de declínio do dólar como moeda de reserva tem se mostrado invariavelmente equivocada.
Desta vez pode ser diferente, mas, em vista da natureza contenciosa do projeto europeu, dificilmente será uma aposta segura.