Errei o call de dólar?
Felipe Miranda escrevendo. Beto está em visita externa. Volta ao comando amanhã.
Dado o comportamento recente, meu call de dólar está sendo colocado em xeque - tudo bem que recomendamos a R$ 1,90 inicialmente, mas ninguém quer saber:
“Felipe, você falou para comprar dólar, que chegaria a R$ 3,00. E o câmbio só cai agora.”
Querem que eu acredite num tal efeito Levy, que, supostamente, atrairia fluxo e apreciaria o real.
Segundo argumenta-se pela “média especializada” e pelos economistas de plantão (fico feliz em ter nascido gauche na vida), a confiança no ministro já estaria sendo observada na valorização dos ativos brasileiros.
Então vamos lá, por partes...
Sou agnóstico
Gostaria de começar desqualificando a hipótese de que a apreciação recente dos ativos brasileiros deriva do efeito Levy.
Eis o que aconteceu com a NTN-B 2050 em janeiro (forte queda do juro real e, por conseguinte, alta dos PUs)...
Ora, ora, recém-chegado ao ministério, tendo apenas implementado as medidas já desenhadas pelo seu antecessor, conforme relata a Folha, Levy já teria conquistado a confiança dos mercados e derrubado o juro real brasileiro de longo prazo?
Agora olhe, por favor, o comportamento dos Treasuries de 10 e 30 anos e dos bunds alemães:
Todos os quatro gráficos ilustram, com precisão cirúrgica, o mesmo comportamento. O movimento apresentado pelo juro real brasileiro decorre, muito mais, de um movimento de compressão das rentabilidades em âmbito global, do que propriamente de elementos internos brasileiros.
A farra do dinheiro barato, que assume contornos inimagináveis com a bazuca de Mário Draghi e indicadores abaixo do esperado da economia norte-americana em janeiro, com apostas crescentes de que o Fed pode empurrar para 2016 seu aperto monetário, coloca os retornos (yields) em recordes históricos de baixa.
Na minha versão para a metáfora de Armínio, o juro real brasileiro ainda é uma ilha num mar de mediocridade. Estamos apenas seguindo a tendência do mundo inteiro, ávido pelo “último peru com farofa da economia global, nas palavras do Delfim.
Por que, ao menos por enquanto, não há efeito Levy?
Há algumas razões para eu não comprar, por ora, a capacidade de Levy, sozinho, trazer prêmio aos ativos brasileiros.
Poderia resumi-las no seguinte: o problema atual brasileiro não é de ciência econômica ou, mais precisamente, de economia positiva (de como deveria ser), mas, sim, de política econômica.
Para sairmos do campo das ideias e adentrarmos o concreto, precisamos da política, do apoio explícito da presidente, de aprovação no Congresso e, em última instância, da sociedade, que não votou na presidenta (argh!) para ver o que está acontecendo.
Esmiuço um pouco mais o argumento.
Pode lhe parecer incrível, mas fato é que - pasmem! -, ao aplaudir as medidas anunciadas por Joaquim Levy, o mercado, mesmo sem consciência, elogia o ex-ministro Guido Mantega, a representatividade canônica da nova matriz econômica (por responsabilidade própria ou por omissão).
Foi ele quem bolou o que está sendo ventilado. Então, o tal efeito atual, se merece um nome, deveria ser efeito Guido Mantega.
Você estaria disposto a colocar no preço dos ativos financeiros o efeito Guido?
Amor além de Guido
Vou além.
Faz sentido comprar Brasil após um discurso em Davos extremamente pertinente, adequado, técnico, responsável, bonito, elegante, charmoso e qualquer outro atributo favorável que você queira atribuir a Joaquim Levy?
Alguém ainda tem dúvida sobre a forma de pensar de Joaquim Levy. Não adianta ele discursar. Precisa a presidenta vir e falar que entraremos, sim, num momento de sacrifício e o desemprego será variável de ajuste. A população pode e vai compreender isso. Todos somos chefes de família e sabemos que os calos apertam de vez em quando.
Ora, não foi isso que fez Churchill, por exemplo, sendo lembrado até hoje?
Precisamos saber não o que Joaquim Levy pensa - isso já sabemos. Mas o que a presidenta e seus quadros políticos pensam? Teria ela, de fato, mudado de convicção na forma de enxergar a economia? Se sim, se foi tão fácil mudar agora, em intensidade e velocidade, não seria igualmente fácil mudar de novo? Qual seu nível de convicção?
Mais ainda, estaria ela preparada para manter-se firme no propósito quando efetivamente começarmos a sangrar e o desemprego estiver servindo de variável de ajuste?
Lembre-se de que apenas parte do ajuste necessário foi feito. Ainda falta muito para chegarmos nos R$ 100 bilhões previstos inicialmente. E, dado o aperto monetário em curso e o consequente aumento das despesas com juros, para que não haja incremento do déficit nominal, o primário deveria ser ainda maior.
A parábola que tenho usado é do jogo de varetas. Quando a coisa começa, está fácil retirar aquelas perdidas nos cantos, bastante separadas das demais. Fica complicado quando você precisa mexer naquelas lá do meio, quando a chance de esbarrar nas outras é grande. O problema do ajuste fiscal será quando tiver de passar no Congresso e mexer em algumas “conquistas sociais” ou nos investimentos.
E olha que, mesmo antes do esperado, as coisas já se mostram turbulentas. Conforme mostra matéria da Folha hoje, o governo já estuda ceder nas mudanças sugeridas nas regras de acesso a seguro desemprego. Definitivamente, essa não é a forma certa de começar.
A catálise
E, por mais que bruxas não existam, a presidenta Dilma parece ser mesmo 13. Ela dá um azar danado. Soma-se a tudo isso o risco de racionamento de energia e água. Tudo bem que Deus é brasileiro e, segundo o ministro Eduardo Braga, logo começará a chover. De todo modo, por mais jesuíta que eu seja, prefiro acreditar mais nos especialistas da PSR e na sua estimativa de que o risco de racionamento supera 50%.
De fora, também não temos boas notícias. O bull market de vários anos pode estar em xeque, com as bolsas internacionais desapegadas dos fundamentos materiais. A rigor, já há gente importante alertando para possível interrupção da trajetória favorável.
Bill Gross, lendário fundador da Pimco, já avisou que os bons tempos ficaram para trás. E a Crestmont Research acaba de recomendar atenção especial para um possível bear market secular iminente.
Segundo a argumentação, os grandes ciclos de bear market tendem a se iniciar quando as bolsas norte-americanas estão negociando entre 20x e 25x na relação Shiller P/E, que mede o preço sobre lucro das ações ajustado por inflação em médias de 10 anos. Isso valeu para 1901-20, 1929-32, 1947-41 e 1966-81. Vale conferir o gráfico abaixo:
Sobre o dólar
Nesse ambiente, no caso de uma catálise externa que venha nos afetar quando o déficit em conta corrente beira 4,2% do PIB, o dólar deve se apreciar fortemente - sim, voltamos à pergunta inicial.
Ninguém aqui está dizendo que a trajetória será linear e sem volatilidade. Quedas momentâneas podem e devem acontecer.
O efeito Levy pode terminar antes mesmo de ter começado. O eventual abandono da austeridade antes do previsto, com resgate da pesada intervenção do Estado na Economia, também terá seus impactos. A isso, darei o nome de efeito Levy-atã.