O fim da simplicidade: Créditos Tributários e o novo dilema do Simples Nacional

Publicado 14.08.2025, 10:30

A reforma tributária, aprovada no Brasil por meio da Emenda Constitucional nº 132/2023, representa uma das mudanças mais profundas no sistema tributário nacional nas últimas décadas. Ela substitui tributos tradicionais federais, como PIS, Cofins e IPI estaduais, como ICMS, e municipais, como ISS, por um modelo de Imposto sobre Valor Agregado (IVA) dual, deixando agora duas taxas apenas: a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), de competência federal, e o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), de competência estadual e municipal. Embora o Simples Nacional seja mantido como regime tributário para micro e pequenas empresas, como está no Artigo 47 Seção XII da LC nº 214/2025, mudanças importantes nas regras de creditamento tributário poderão comprometer sua atratividade e competitividade, especialmente para empresas que atuam no mercado B2B.

Historicamente, o sistema tributário brasileiro sempre ofereceu três principais regimes: o Lucro Presumido, para empresas de médio porte, o Lucro Real, obrigatório para grandes empresas ou atividades específicas, e o Simples Nacional, voltado a micro e pequenas empresas com faturamento anual de até R$ 4,8 milhões. Essas empresas optantes pelo Simples Nacional atualmente recolhem tributos com alíquotas reduzidas e de forma unificada, gerando créditos tributários pouco relevantes para seus clientes. Do ponto de vista do mercado B2B, esse sistema de não cumulatividade, que permite que empresas abatam tributos pagos na aquisição de bens e serviços como créditos tributários, preserva a competitividade do modelo de negócio. Por isso, a impossibilidade das empresas do Simples de gerar créditos relevantes para seus clientes reduz sua atratividade comercial no mercado B2B. Em alguns casos, onde os insumos adquiridos eram considerados essenciais, os adquirentes conseguiam se creditar parcialmente ou até mesmo integralmente de tributos como PIS e Cofins, o que mantinha a competitividade. Com a reforma, essa lógica se altera substancialmente. A nova regra determina que os créditos de CBS e IBS serão limitados ao valor efetivamente pago pelo contribuinte. Como consequência, empresas do Simples que continuarem recolhendo tributos ‘por dentro’ — isto é, dentro do Documento de Arrecadação do Simples Nacional (DAS) — deixarão de oferecer crédito integral aos seus clientes, voltando ao problema de baixa atratividade no mercado B2B.

Diante desse novo cenário, surgem duas alternativas para as micro e pequenos negócios: 1) Permanecer no regime tradicional do Simples, com menor complexidade, mas também sem gerar créditos integrais para os clientes; 2) Adotar o chamado ’regime híbrido’ ou  ‘regime tradicional’, recolhendo CBS e IBS separadamente, fora do DAS, o que permite o creditamento integral por parte dos clientes, mas impõe obrigações acessórias adicionais, como escrituração digital, destaque de tributos em nota fiscal e apuração específica dos valores devidos. 

Vale (BVMF:VALE3) pontuar também que, para aqueles que optarem por esse segundo regime, não será possível retornar ao sistema unificado do Simples Nacional durante o mesmo ano-calendário. Para empresas com baixa geração ou uso de crédito tributário, esse regime pode resultar ainda em aumento da carga tributária e da complexidade operacional, já que os mesmos passarão a apurar tributos separadamente, com alíquotas mais elevadas e obrigações acessórias mais rígidas, sem compensar isso com aproveitamento significativo de créditos.

Como dito anteriormente, negócios que atuam diretamente com o consumidor final (B2C), como comércios varejistas, tendem a sentir menos os impactos dessas mudanças, pois seus clientes não se beneficiam de créditos tributários. Já as organizações que vendem predominantemente para outras companhias (B2B) enfrentam um risco real de perda de competitividade. Seus clientes podem optar por outras operações fora do Simples Nacional e que gerem créditos mais vantajosos, diminuindo seu custo efetivo de compra. Nesse cenário, muitos pequenos empreendimentos poderão ser forçados a migrar para regimes mais complexos ou repensar seus modelos societários e de negócio, potencialmente desbalanceando o mercado B2B ao onerar os pequenos e dar mais vantagem às de maior porte. 

Vale destacar que, para empresas do Simples inseridas em cadeias produtivas longas, o impacto da reforma tende a ser mais acentuado devido à acumulação de resíduo tributário. Como não podem se apropriar de créditos ao longo das etapas anteriores, os tributos pagos permanecem incorporados ao custo do produto final, tornando-o mais caro. Esse encarecimento, somado à baixa capacidade de gerar créditos fiscais relevantes para os clientes, compromete seriamente a competitividade frente a empresas do Lucro Presumido ou Lucro Real, que possuirão mecanismos para eliminar os resíduos tributários por meio da não cumulatividade plena. 

Já para empresas do Simples com cadeias curtas, o impacto potencial é menor: com poucas etapas tributadas antes do produto, o resíduo tributário é reduzido, o que pode tornar seus preços mais competitivos e, em parte, compensar os créditos limitados que oferecem aos seus clientes.

A transição para o novo modelo previsto pela Reforma Tributária do consumo ocorrerá entre 2026 e 2033, tendo a primeira fase de cobrança da CBS iniciada a partir de 2027. Durante este período de adaptação, se abrirá uma janela de oportunidade para que as empresas avaliem sua estrutura de custos, perfil de clientes e a cadeia de valor. Neste cenário, realizar simulações financeiras e planejamento tributário detalhado será essencial para apoiar uma tomada de decisão assertiva quanto à permanecer no Simples, migrar parcial ou totalmente ao modelo híbrido, ou até mesmo ao regime tributário tradicional. A decisão dependerá do volume de vendas B2B, da sensibilidade de preços dos clientes e da capacidade operacional de lidar com um maior nível de complexidade.

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