Um interessante fenômeno da natureza é o mutualismo. Ele ocorre quando duas espécies são capazes de sobreviver de forma independente, mas escolhem se juntar em busca de benefícios recíprocos trazidos pela convivência. No mundo dos serviços financeiros, algo semelhante acontece entre bancos incumbentes e fintechs: existem complementaridades que permitem parcerias estratégicas, acelerando a criação de produtos e a inovação no setor.
Criadas no ambiente nativo digital, as melhores fintechs trabalham com o que há de mais avançado em tecnologia de pagamentos. Adicionalmente, dispõem de flexibilidade para lançar e escalar produtos de forma ágil. O banco, por sua vez, tem volume, reputação e presença de décadas. Justamente por isso, os processos são naturalmente mais extensos, já que a operação usual pesa toneladas. Afinal, estamos falando de gigantes.
Como pano de fundo, vivemos um processo de descentralização do crédito que deve se intensificar neste ano, impulsionado por uma agenda pró-inovação habilidosamente conduzida pelo Banco Central. Avanços trazidos por iniciativas que já vêm de anos, como o Open Finance e o crescente uso de inteligência artificial para apoiar decisões baseadas em dados, farão com que a disponibilidade de crédito seja maior, mais eficiente e mais justa, tornando ainda próspero o ambiente para parcerias.
O cartão de crédito é um bom exemplo. Condições econômicas e regulatórias aumentaram a demanda por esse produto e abriram oportunidade de expansão da oferta nos últimos anos. As instituições tradicionais passaram a coexistir com players novos e que navegam quase a mar aberto, oferecendo toda classe de cartão com características variadas. Isso instigou os incumbentes a pensarem lançamentos fora da caixa, muitas vezes voltados a públicos mais segmentados e com demandas por praticidade.
Contudo, ao contrário de quem faz sua estreia no mercado, os bancos possuem milhões de cartões ativos em seus sistemas. É mais custoso mobilizar equipe e plataforma para validar teses com um grupo relativamente restrito de usuários. Mas nem por isso a inovação deve parar. É nesse ponto que entram as fintechs provedoras de tecnologia para emissão de cartões. Elas dão partida no motor e permitem que o banco assuma a direção após o test drive, quando tração e velocidade já foram aferidas.
As fintechs, portanto, funcionam como incubadoras de tecnologia para esses gigantes. Elas são convidadas a acoplar sua plataforma para desenvolver e testar produtos que, de outra forma, levariam muito mais tempo para sair do papel. Em questão de semanas, permitem que o banco disponibilize um piloto para a base de clientes, teste a aceitação no mercado e valide uma tese. Como no reino animal, ambos saem ganhando.
Ganham também os consumidores, que passam a dispor de uma variedade maior de produtos com condições acessíveis e que atendem às suas necessidades.