O paradoxo de Maurice Allais

Publicado 06.11.2025, 06:05

Olá, Pessoal. Um paradoxo é uma figura de linguagem que se caracteriza por uma sequência argumentativa de ideias que culmina em resultado contraditório e, portanto, que nos demanda explicações. Muitas vezes, paradoxos quebram o senso comum, paradigmas e até teorias em voga. Naturalmente, todo paradoxo possui a sua devida explicação e esta tem sempre algo a nos ensinar. Muitas vezes, ao analisar paradoxos, aprendemos a pensar diferente, o que traz o potencial de nos fazer romper barreiras.

Há muitos paradoxos que aprecio exatamente pelo poder dos ensinamentos que eles trazem. Hoje, trarei para nossa conversa um deles. Maurice Allais nasceu na charmosa cidade de Paris em 1911, tendo falecido com 99 anos em 2010. Foi um brilhante físico economista que nos deixou um belíssimo trabalho acadêmico, incluindo o que hoje conhecemos por Paradoxo de Allais, que explico a seguir.

Suponha que você pode escolher uma dentre as duas opções seguintes:

OPÇÃO A: Ganhar R$ 10 milhões sem nenhum tipo de sorteio.

OPÇÃO B: Arriscar ganhar R$ 10 milhões com 70% de chances ou R$ 50 milhões com 20% de chances ou ainda nada ganhar (com 10% de chances, portanto).

Reflita seriamente e tome a sua decisão.

Agora suponha que você tenha nova oportunidade de escolher uma dentre duas opções, que são as seguintes:

OPÇÃO ALFA: Arriscar ganhar R$ 10 milhões com 30% de chances ou nada ganhar (com 70% de chances, portanto).

OPÇÃO BETA: Arriscar ganhar R$ 50 milhões com 20% de chances ou nada ganhar (com 80% de chances, portanto).

Uma vez mais, peço refletir seriamente e tomar a sua decisão. Agora, compare as suas duas decisões antes de seguir lendo este texto.

A maioria absoluta das pessoas (como eu, diga-se de passagem!) escolhe primeiramente a opção A em vez da B, o que é perfeitamente explicável: a aversão ao risco faz com que muitos não queiram arriscar 10% em deixar de ganhar R$ 10 milhões, tendo como contrapartida 20% de chances de ganhar R$ 50 milhões em vez de “apenas” R$ 10 milhões. Note que aqui não se aplica o conceito de valor esperado (ou expectativa) de ganho como fator decisório porque este conceito só faria sentido enquanto fator decisório se você pudesse “jogar esse jogo” por muitas vezes. Neste caso, imaginando que seu ganho seria o valor médio obtido, a Lei dos Grandes Números estabelece que você tenderia a ganhar o valor esperado, ou seja, R$ 17 milhões ao escolher a opção B (R$ 10 milhões x 70% + R$ 50 milhões x 20% R$ 0 x 10%). Como este valor supera os R$ 10 milhões da opção A, a opção B seria a escolhida.

Não obstante, reitero para fins de clareza: ao jogar uma única vez, não existe a chance de se ganhar esses R$ 17 milhões e haverá incerteza ao escolher a opção B. Nossa aversão a risco penaliza essa incerteza e faz com que a maioria prefira a certeza dos R$ 10 milhões. Nota importante: se você mesmo após esta reflexão ainda prefere a opção B, isto não significa que você está errado (existem, sim, argumentos para essa escolha), mas simplesmente que você diverge da maioria das pessoas (segundo amplas pesquisas acadêmicas do Prof. Allais e minhas singelas aplicações deste teste em diversas salas de aula).

Por sua vez, na segunda escolha que eu pedi para você fazer, a maioria das pessoas passa a preferir a aposta BETA em relação à aposta ALFA (e se você optou pela opção B primeiramente, é provável que você tenha agora optado pela ALFA). Sendo absolutamente sincero, eu teria escolhido A e BETA. E explico a minha escolha agora pela opção BETA: ambas opções são, agora, arriscadas porque têm chances de nada ganhar. O prêmio de R$ 50 milhões (R$ 40 milhões a mais) da opção BETA me parece compensar os 10% de chances a menos de ganhar.

E por que isso gera um paradoxo? Porque a decisão combinada A e BETA (ou B e ALFA) quebra uma importantíssima teoria econômica: a Teoria Clássica de Utilidade (Von Neumann-Morgenstern). Bom, não é meu intuito entrar no mérito dessa teoria neste artigo, de modo que explicarei sem recorrer a termos ou definições técnicas. Antes de entrar na breve matemática do paradoxo, faço uma explicação conceitual: o que a Teoria Clássica de Utilidade não prevê é um prêmio pela certeza, o que pode ser interpretado como uma descontinuidade ao passar da infinitesimal incerteza para a certeza absoluta. Em outras palavras, a diferença da utilidade entre ganhar uma vultosa quantia com 100% de chances (certeza absoluta) para 99% de chances é (bastante) superior à diferença entre as mesmas utilidades a 99% e 98% de chances.

Permita-me fazer a demonstração formal do paradoxo. Imaginemos o meu caso, que teria escolhido A e BETA. Se eu escolhi A, é porque considero a utilidade de ganhar R$ 10 milhões com absoluta certeza maior do que a ponderação das utilidades dos ganhos da opção B. Matematicamente, essa escolha é representada da seguinte forma (onde U significa a utilidade do valor monetário entre parênteses):

U(10M) > 0,7*U(10M) + 0,2*U(50M) + 0,1*U(0)

De forma totalmente análoga, ao escolher a opção BETA, estamos validando a seguinte desigualdade:

0,3*U(10M) + 0,7*U(0)

Agora imagine uma simples operação algébrica de somar em ambos os lados da inequação anterior a quantia [ 0,7*U(10M) - 0,7*U(0) ]. Observe que isso não altera a desigualdade e teríamos o seguinte resultado:

0,3*U(10M) + 0,7*U(0) + 0,7*U(10M) - 0,7*U(0)

Juntando os termos iguais em ambos os lados da desigualdade, obtemos a inequação abaixo:

U(10M)

Compare esta desigualdade com a primeira desigualdade, referente à escolha da opção A. Notou que são contraditórias? Este é o paradoxo! E o que está errado nisso tudo? Como mencionei, o resultado é contraditório porque nos baseamos na Teoria Clássica de Utilidade. A explicação nasce do fato de que nós não tomamos decisões exatamente como previstas por esta teoria. Este paradoxo (e depois outros tantos que surgiram, a maioria compilada no livro “Rápido e Devagar: duas formas de pensar”, de Daniel Kahneman) deu origem a novas teorias econômicas de utilidade. Por exemplo, todo o meu doutorado em Otimização de Carteiras de Investimento foi construído em cima de uma utilidade não clássica (a Utilidade Estocástica Diferencial). E os resultados foram superiores àqueles baseados na Utilidade Clássica.

Percebam como um paradoxo serviu para nos ensinar algo muito importante e que mudou os rumos das teorias econômicas de utilidade. Da mesma forma, sempre que encontro pela frente uma espécie de paradoxo, ou seja, sempre que encontro algo que não consigo explicar com o conhecimento que possuo, isso me mostra que preciso aprender algo a mais e evoluir. Assim, paradoxos servem de gatilhos que me chamam a atenção para a necessidade de seguir aprendendo e evoluindo. E penso esse ser o caminho: ignorar e achar que já sabemos e temos controle de tudo é o melhor caminho para o fracasso.

Eu poderia citar aplicações práticas disso em qualquer área de Finanças. Mas, para não tornar este artigo ainda mais longo, citarei apenas o exemplo típico do investidor que não repensa suas estratégias mesmo com o mercado todo mostrando que há algo de errado. Os melhores investidores que conheço são humildes a ponto de sempre desconfiarem de suas próprias premissas. Isso os faz aprender e evoluir continuamente. Isso os faz GRANDES INVESTIDORES.

Vamos nos encontrar nas redes sociais @carlosheitorcampani? Espero todos vocês por lá!

* Carlos Heitor Campani é PhD em Finanças, Certificado pelo CNPI e Pesquisador da ENS – Escola de Negócios e Seguros. Além disso, ele é Diretor Acadêmico da iluminus – Academia de Finanças e Sócio-Fundador da CHC Finance e da Four Capital. Campani pode ser encontrado em www.carlosheitorcampani.com e nas redes sociais: @carlosheitorcampani. Esta coluna sai a cada duas semanas, sempre na quinta-feira.

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