Os números frios que raramente contam a história completa. O crescimento de 1,4% do PIB brasileiro no primeiro trimestre de 2025, em linha com o esperado pelo mercado, imediatamente serviu de combustível para manchetes otimistas, análises palatáveis e celebrações governamentais. Mas a dinâmica por trás desse dado, o encadeamento de suas causas e o leque de consequências ocultas, revela um cenário muito mais ambíguo e cheio de nuances do que sugere a superfície.
É verdade: o setor agropecuário, muito criticado por questões ideológicas e políticas, novamente se destacou como grande motor do crescimento, com um avanço robusto de 12,2% sobre igual período do ano passado. O Brasil, cada vez mais vocacionado para ser o celeiro do mundo, colhe os frutos de produtividade, câmbio favorável e demanda internacional resiliente - apesar de todos os temores quanto à desaceleração global, taxação, guerras comerciais e tabuleiro geopolítico. Não é exagero dizer que a força do campo hoje é o grande amortecedor dos ciclos de crise e o principal antídoto às vulnerabilidades internas.
Seguindo para além da pujança rural, o crescimento do consumo das famílias em 1% esconde sua própria ambiguidade. Parte desse impulso se explica pelo aumento real do salário-mínimo e pela manutenção de programas de transferência de renda e incentivos ao crédito, sobretudo para as camadas mais vulneráveis. Isso, por si só, já indica um risco: a sustentação do consumo por política pública tende a criar zonas de crescimentos e confortos artificiais e mascarar a fragilidade do emprego e da renda estrutural. E o efeito colateral disso tudo é uma base de crescimento que pode se mostrar menos sólida e mais dependente de decisões de Brasília do que de genuíno dinamismo privado, de mercado.
Nos investimentos, o aumento de 3,1% no trimestre pode soar como sinal de confiança renovada do setor produtivo. Mas o retrato mais detalhado mostra que boa parte desse movimento ainda está ancorada em segmentos ligados à agroindústria, energia renovável e infraestrutura básica – muitos deles beneficiados por contratos de longo prazo, indexação cambial ou concessões recentes. A indústria de transformação, por outro lado, amarga queda de 0,1%, escancarando o desafio de competir globalmente com o real valorizado, custos trabalhistas elevados e um ambiente tributário que segue, em essência, hostil à inovação e a produtividade -, para ser mais polido, no comentário.
O patamar da Selic em 14,75% permanece como sombra sobre todo o ciclo. Com o Banco Central mantendo o juro básico no maior nível desde 2006, a mensagem para o investidor e para o empresariado é dupla: de um lado, há confiança na capacidade de ancorar expectativas e controlar pressões inflacionárias que persistem (especialmente em alimentos e serviços); de outro, o custo do dinheiro trava a expansão do crédito, penaliza projetos de maior maturação e, no fundo, limita o potencial do próprio PIB no médio prazo.
Aqui reside um ponto que poucos enxergam: o atual crescimento é, em grande medida, resultado de um "rearranjo de forças" internas – uma reorganização da produção em setores com “menor dependência de crédito” e maior exposição a mercados externos. O Brasil, portanto, cresce não porque solucionou seus gargalos históricos (burocracia, tributação, infraestrutura precária, amigos do rei, corrupção), mas porque soube encontrar, no agro e em parte do setor de serviços, refúgios momentâneos à tormenta global e às mazelas fiscais. A leitura rasa do PIB pode sugerir solidez, mas o que existe é uma espécie de "atalho macroeconômico": progresso em áreas menos afetadas pelas disfunções crônicas, enquanto outros segmentos permanecem, no melhor dos cenários, em compasso de espera.
O cenário internacional, frequentemente relegado a nota de rodapé, é hoje mais determinante do que nunca. A volatilidade das commodities, os riscos geopolíticos, a política comercial dos EUA e a desaceleração gradual da China formam um pano de fundo que tanto pode impulsionar quanto minar a recuperação brasileira. As exportações seguem sendo válvula de escape, mas basta um ajuste negativo em demanda asiática ou um novo ciclo de guerra tarifária para comprometer toda a cadeia.
Outro aspecto frequentemente negligenciado nas análises convencionais é o efeito distributivo desse crescimento. Apesar do avanço agregado, o dinamismo não é homogêneo. O campo avança, mas os grandes centros urbanos sentem menos os reflexos positivos; a renda média cresce marginalmente, mas a desigualdade permanece praticamente estável (quiçá, pior). Dados recentes do IBGE mostram que a taxa de desemprego caiu, mas o subemprego e a informalidade continuam elevados, indicando que boa parte do "avanço" se dá em postos de trabalho de menor qualidade e remuneração.
No plano das finanças públicas, o PIB maior favorece a arrecadação, alivia momentaneamente a trajetória da dívida/PIB e reduz pressões por ajuste fiscal imediato. Mas o gasto obrigatório segue em alta – sobretudo em benefícios previdenciários e transferências – e o ciclo de altas na Selic aumenta o custo do serviço da dívida, corroendo o espaço orçamentário para investimentos de maior impacto. Aqui está um paradoxo estrutural: o Brasil cresce, mas parte relevante desse crescimento é apropriada pelo próprio Estado para cobrir despesas passadas, não para ampliar a base de capital humano ou infraestrutura.
Ainda assim, o cenário não é só de risco. Para quem sabe se posicionar, há oportunidades reais. Por exemplo, o agronegócio e segmentos ligados à exportação se beneficiam do câmbio, dos acordos comerciais e da escassez global de alimentos e energia limpa. Empresas do setor de serviços digitais e tecnologia – que dependem menos de crédito tradicional – continuam a expandir mercado, inclusive internacionalmente. Investidores atentos às mudanças de padrão de consumo, à transição verde e à resiliência de cadeias regionais encontrarão espaço para ganhos acima da média, especialmente se diversificarem exposição e evitarem concentração em segmentos industriais clássicos.
O crescimento de 1,4% do PIB é, em última análise, um convite à reflexão. Ele mostra que o Brasil, apesar de todos os entraves, mantém capacidade de gerar avanços, mas também revela o quanto essa trajetória é frágil, desigual e altamente sensível a choques internos e externos. Cabe aos empresários, investidores e formuladores de política olhar além da superfície, identificar padrões de transição e antecipar movimentos de mercado. Porque, na economia, quem lê apenas o número perde o enredo; mas quem enxerga o subtexto sabe exatamente o que está no entrelinhas...