As criptomoedas e a blockchain oferecem uma chance única, porém perigosa, para a humanidade: o não-esquecimento. Numa semana onde houve intensos debates sobre a cor de pele do escritor Machado de Assis, temos que lembrar que blockchains públicas podem vir a ser capazes de salvar files e similares de maneira que jamais serão deletados. De maneira geral, há outras tecnologias descentralizadas capazes de fazerem isso. Há consequências evidentes dessa possibilidade para a sociedade, porém o que isso quer dizer para investimentos em diversos setores?
Todos conhecemos o Wikileaks. O site de Julian Assange foi responsável por disponibilizar diversos vazamentos que abalaram a confiança de pessoas em governos, figuras públicas e empresas. Uma combinação de blockchain pública segura, privacy coin e exchange descentralizada é suficientemente anônima para criar uma estrutura onde leaks podem ser salvos na blockchain pública de maneira irreversível. Trade secrets, escândalos de corrupção, decisões eticamente questionáveis (ou mesmo que contrariem os sentimentos de ativistas): tudo pode vir a ser publicizado.
A transparência das tecnologias descentralizadas tende a causar impactos na imagem de empresas que se tornarem alvo de ativistas virtuais. Há evidência recente na literatura de estratégia empresarial de que ativistas possuem um poder considerável em pautar empresas por meio de boicotes e similares. Não é fácil ignorar para muitos que uma empresa faça testes crueis em animais. Com a facilidade de descentralizar denúncias e anonimização, os danos podem ser maiores. A criptografia, por exemplo, pode facilitar whistleblowers capazes de acabar com empresas.
O sucesso da blockchain representa um aumento no que consideramos transparência, mas nem toda transparência é boa para os negócios. Empresas não devem considerar apenas o hype das blockchains positivamente, mas também o downside das novas tecnologias. Investidores deverão considerar muito mais os riscos de imagem subjacentes às empresas conforme se consolidam as atuais tendências de compartilhamento de informação.
De certa maneira, as próprias empresas de blockchain precisam se adequar a maior nível de transparência. Por exemplo, os ruídos associados às exchanges atuais são tenebrosos para uma tecnologia onde há a possibilidade de transparência absoluta sobre suas reservas, custódia e afins. Isso revela que a tecnologia ainda demorará a agir, porém não há como investidores ficarem inertes a um mundo constantemente mudando e com riscos de reputação cada vez mais custosos em termos de investimento.
Acredito que a tendência seja positiva. Por um lado, empresas serão pressionadas a atender melhor demandas morais externas e internas. Porém, há alguma possibilidade de backfire. Pesquisas podem ser podadas em nome de ativismos que não compreendem a natureza da inovação e do método científico, por exemplo. Portanto, há a importância de debates sobre a importância da eficiência econômica como um resultado decorrente de valores morais -- auto-tutela e defesa da liberdade -- e como um valor moral em si. A blockchain e as novas tecnologias de informação não se baseiam apenas numa tecnologia de consenso potencializadas por um bom modelo de negócios, se baseiam também num consenso social que devemos semrpe enfatizar.