As tarifas anunciadas pelo presidente dos EUA, Donald Trump, colocaram a incerteza nos gráficos e tabelas dos economistas e dos investidores, inclusive das autoridades do Federal Reserve (Fed, banco central dos EUA). O presidente da instituição, Jerome Powell, disse em discurso na última sexta-feira que as tarifas vão impactar com uma inflação mais elevada e um menor crescimento econômico.
Powell foi além: agora a análise precisa separar os dados “concretos” e os “não-concretos” para projetar a trajetória da economia. Ou seja, alguns dados do primeiro trimestre de 2025, muitos dos quais ainda não foram divulgados, podem ter um caráter meramente estatístico, deixando de ser útil devido à mudança abrupta de rota proporcionada pelas tarifas. Por isso, passam a ter cada vez mais importância os indicadores antecedentes e de expectativas de consumidores e empresariais de diferentes segmentos
A sorte do Fed é que o próximo relatório de Projeções Econômicas do Comitê Federal de Mercado Aberto (Fomc, na sigla em inglês) não será na próxima reunião em 7 de maio, mas apenas no encontro de 18 de junho, quando uma perspectiva mais clara provavelmente esteja no horizonte. Esse relatório é apresentado a cada 90 dias.
Com as tarifas de Trump, a tendência é de, no próximo relatório, continuar a deterioração nas projeções de crescimento econômico e no índice PCE, indicador de inflação preferido do Fed, conforme já apresentado nas Projeções de março. A novidade será uma deterioração maior no mercado de trabalho, com elevação da taxa de desemprego.
Esse cenário é perigoso. Uma perspectiva de inflação maior, com crescimento em baixa flertando com a recessão e aumento da taxa de desemprego pode levar a um cenário de estagflação, o que dificulta o Fed de focalizar a política monetária em um de seus mandatos oficiais: a estabilidade de preços e mercado de trabalho em pleno-emprego.
Por isso, a grande incógnita para as Projeções Econômicas de junho do Fed é a estimativa de corte de juros em 2025 e nos próximos anos. Se a inflação escalar, como foi no pós-pandemia em 2021 e 2022, o banco central americano vai focar seu mandato no combate à inflação alta, mantendo ou elevando a taxa de juros, em detrimento do crescimento de uma economia provavelmente frágil.
Caso o foco seja o mercado de trabalho, a tendência é de corte de juros. O mercado precifica esse caminho, de 4 cortes de juros de 25 pontos-base a partir de junho, levando a taxa de 4,25%-4,5% para 3,25-3,5%. Vale lembrar que o mercado erra a precificação de início de corte da taxa de juros desde o início do último ciclo de alta, que foi de março de 2022 a julho de 2024, com o último aumento em julho de 2023.
O Fed sob o comando de Powell vai conduzir a política monetária com cautela até o fim do seu mandato em fevereiro do ano que vem. O atual chair do Fed é detestado por Trump, que vai colocar alguém de sua confiança no lugar de Powell durante a troca assegurada institucionalmente em todo segundo ano de um mandato. Até lá, Powell deve afirmar, como na última sexta-feira, que o momento é de cautela e monitoramento dos efeitos das tarifas nas variáveis econômicas, especialmente inflação e no mercado de trabalho.
O objetivo dessa cautela é evitar de cunhar o termo “transitório” à inflação, que foi constantemente abordado por ele em 2021 após a pandemia, o que não se concretizou. Além disso, a cautela, especialmente em não prometer corte de juros, é manter a ancoragem de longo prazo da inflação próximo ou no centro da meta de 2% ao ano.
Dessa forma, o Fed pode ser ajudado com a conjuntura econômica do resto do mundo, que também deve sofrer com a desaceleração econômica, porém com ambiente deflacionário. O próprio crescimento menor dos EUA vai possibilitar ao Fed, em um segundo momento, em direcionar a política monetária para o estímulo econômico se a inflação começar a apresentar tendência de queda na base mensal.
A queda dos preços de energia e matérias-primas em reação às tarifas já acendem essa luz no fim do túnel. Esse cenário vai depender, obviamente, na ausência de tarifas adicionais por Trump ou uma escalada da guerra comercial com retaliações de outros países.
Caso esse cenário se confirme, o Fed pode cortar em ao menos uma vez a taxa de juros em 25 pontos-base em dezembro, mantendo ainda a taxa de juros em território contracionista em 2025, já que deve fechar o ano acima da taxa neutra – a que mantém o estímulo da economia e o combate à inflação ao mesmo tempo. Hoje, a taxa neutra de juros nos EUA é estimada por volta de 3,5%.
Dessa forma, Powell deve preparar o terreno para o seu sucessor levar a taxa de juros abaixo da taxa neutra, para um território estimulativo para a economia. No entanto, o mercado deve debater neste momento se o próximo chair vai ter autonomia na condução da política monetária, conforme é assegurada pela legislação dos EUA.
Por mais que as tarifas impactem nas projeções econômicas e como o Fed deve operar a sua política, a autonomia segue intacta, mesmo com a pressão de Trump para queda imediata de juros. O sucessor de Powell, por outro lado, pode ter um desempenho similar ao que foi Alexandre Tombini na presidência do Banco Central do Brasil durante o governo de Dilma Rousseff.
Ou seja, teria uma autonomia operacional formal, mas na prática a política monetária é conduzida pela Presidência. Isso significa que, se precisar subir a taxa de juros, o sucessor de Powell talvez não faça para não desobedecer Trump.