O questionamento é clássico em períodos pós reunião do Copom, ainda mais quando há alteração na taxa de juros (aumento da selic de 0.75%), e a resposta pode ser um resumo de parágrafos de opiniões de diversos especialistas.
O questionamento está errado? Não.
A verdade é que esse tipo de chamada é importante porque, quando falamos ou pensamos em investimentos, todo e qualquer pequeno percentual parece fazer uma enorme diferença. É uma dúvida natural. Ninguém quer perder dinheiro, e deixar de ganhar não deixa de trazer uma sensação de que a oportunidade passou.
Pesquisas na área da psicologia econômica mostram que a dor da perda chega a ter um efeito duas vezes maior do que o prazer do lucro. Dessa forma, não fica difícil entendermos a ansiedade ligada à tomada de decisões financeiras. Ninguém quer ou gosta de perder. O que a experiência pode trazer é uma sensação de que conseguimos lidar melhor com situações adversas.
Voltando ao Copom, e ao questionamento, quando vemos a bolsa negociando próxima da sua máxima histórica, movimentos na taxa de juros podem trazer dúvidas. Se pensarmos no histórico dos brasileiros investindo em bolsa isso faz ainda mais sentido. No final de 2010, tínhamos pouco mais de 600 mil CPFs cadastrados. 2020 encerrou com mais de 3,2 milhões de CPFs. O número ainda é muito pequeno, ainda mais ponderando pelo tamanho da nossa população, mas é evidente o crescimento nesses últimos anos.
Outro aspecto que nos afastava da renda variável era a remuneração que tínhamos na renda fixa. No final de 2015 (ou seja, ontem) a Selic estava em 14,25% ao ano. Por quê assumir ter ações se conseguíamos mais de 1% ao mês sem correr riscos?
Com a renda fixa tão presente nas nossas vidas e memórias, um expressivo aumento na selic de de 0,75 p.p. chama a atenção. O motivo pelo qual não vejo essa alta na prática alterando nossos investimentos, é que ainda estamos falando de um juro de 3,5% ao ano.
“Mas Carlos, o Copom sinalizou novas altas e o mercado acredita que o juro ultrapassa 5% em 2021. Será que não devemos aproveitar esse movimento?” Não.
Faço parte dos que acreditam que o aumento na Selic se aproxima de 6% em 2021, mas mesmo nesses patamares, o juro deve ficar próximo da inflação esperada para o ano. Logo, investimentos em muitos títulos de renda fixa não entregarão retornos reais. Lembrando que a rentabilidade real é aquela que obtemos descontando do rendimento obtido a inflação do período, ou seja, quanto ganhamos “de verdade”.
Na minha visão, respeitando um horizonte adequado e o perfil da pessoa, a renda fixa é fundamental, mas não será ela a responsável pelo ganho real ao longo do tempo. Penso nesse tipo de investimento muito mais como aquela parte da carteira que busca compensar a inflação, ou mesmo trazer a possibilidade de ter um sono adequado quando a bolsa cai.
Novamente, isso é uma novidade quando vemos nosso histórico como investidores. O gráfico abaixo mostra a inflação (medida pelo IPCA) e a Selic ao final de cada ano, desde 2010. Nele, fica claro de ver que não precisávamos assumir um risco de bolsa para termos rendimento real.
O cenário começou a exigir uma mudança de 2017 em diante. Considero que em situações normais a inflação brasileira possa ficar próxima dos 4%. Seguindo o mesmo raciocínio, um juro ao redor de 6% pode ser sustentável. Assumindo essas projeções como factíveis, retornos reais de 5% a 6% ao ano só serão possíveis novamente com uma parcela da carteira estando em renda variável.
Pensando em renda variável, a Selic mais alta não pode diminuir o valor justo das empresas? Sim, se o juro sobe, o custo de capital aumenta e o valor futuro da empresa é menor. No entanto, novamente, hoje o cenário não é da nossa taxa básica superar os dois dígitos novamente. Ficando em níveis razoáveis, há muitas oportunidades a serem exploradas em renda variável.
A bolsa está nos 120 mil pontos e algumas casas falam em 145 mil para o final do ano. Pessoalmente não faço a mínima ideia de onde o Ibovespa estará daqui uns meses. O que sei é que mesmo nesse patamar ainda temos muitas oportunidades disponíveis.
Diversos segmentos, especialmente aqueles ligados ao mercado interno, ainda estão sendo penalizados pela pandemia. E sabemos que os efeitos do COVID não serão eternos. O Brasil tem uma população razoavelmente jovem e a vacinação está avançando. Imaginar que no último trimestre do ano poderemos ter atividades em níveis quase normais está se tornando um cenário cada vez mais factível.
A figura abaixo mostra o número de doses de vacinas contra o COVID administradas ao redor do mundo:
Nela vemos que o Brasil está entre os países em destaque. Mesmo quando olhamos em termos relativos, seguimos perto do primeiro pelotão.
O próximo gráfico mostra o desempenho do Brasil em relação às dez maiores economias do mundo:
Mesmo frente ao desempenho das maiores potências mundiais, a nossa vacinação tem se destacado. Quando olhamos em termos relativos, o cenário não é muito diferente:
Nessa análise, os únicos com população maior do que a nossa com um percentual maior da população vacinada são os Estados Unidos. A tendência é que, com o processo de vacinação norte-americano sendo finalizado, sobrem mais vacinas no mundo e os demais países consigam ter um número ainda maior de vacinados.
Não estou aqui dizendo que a estratégia de vacinação do Brasil é um exemplo. Começamos o processo com relativo atraso, mas a capacidade de atingir a população tem sido muito boa. Ainda há o que melhorar, ainda faltam vacinas, mas ao contrário de muitas notícias que vemos, o cenário da vacinação não é tão catastrófico quanto parece.
Utilizei essas informações para ilustrar que sim, esperarmos uma aceleração da nossa economia no segundo semestre não é um cenário tão utópico quando já pareceu ser. Com a atividade econômica mais próxima da normalizada, empresas que ainda não se recuperaram vão ficando cada vez mais atrativas.
Com as empresas da bolsa oferecendo boas oportunidades, direcione sua energia para encontrar ativos descontados ou para selecionar bons gestores de ações. Um aumento de 0,75 p.p. na Selic é só mais um ruído. Foque naquilo que realmente interessa.
Um abraço e até a próxima.