Enquanto muitos estão compenetrados em prever o futuro, alguns poucos passam os dias e as horas tentando criar certos tipos interessantes de futuro.
Prever o futuro é um desafio lógico, altamente instigante. Se você conseguir, tira dez na prova e ganha um "continue assim!" no boletim. Parabéns pela inteligência de curral.
Criar futuros não tem tanto a ver com lógica.
É claro que o engenheiro vai usar raciocínio matemático para construir um carro elétrico autônomo voador, mas não é disso que se trata. Tem muito mais a ver com intuição.
Se você vai criar o futuro, é porque ele não existe. Se ele não existe, por definição, não pode ser derivado de deduções lógicas; só nasce com imaginação.
Então, o mundo é dividido assim:
A) Muitas pessoas certas de que o futuro existe e, portanto, pode ser previsto.
B) Poucas pessoas desconfiadas de que o futuro não existe, mas que alguns tipos de futuro podem ser imaginados e, talvez, criados. Mais precisamente, eles se criam em vez de serem criados, mas isso é assunto para outro dia, que ainda não existe.
A ou B? Não vou dizer a qual grupo a Empiricus pertence, para não estragar a surpresa. Mas posso dar uma dica: não pertencemos ao grupo A.
Pronto, isso é dedução lógica: na falta de uma terceira opção (o terceiro excluído), restam duas. Tendo eliminado uma delas, só sobrou a outra. That's a bingo!
De onde vem a tentação de prever o futuro? Da razão, que é a mais perigosa das emoções. Todo dia, ao acordar, o desejo de controle passa batom e veste sua fantasia de razão. Mas não engana a mim, que sou macaco velho irracional.
Compreendo, porém, que os lordes sejam enganados.
Ao percorrer o desafio de um raciocínio lógico, parece mesmo que você previu o futuro, pois partiu de um enunciado inicial para chegar à resposta final.
No entanto, a resposta (final?) já estava lá o tempo todo! Na verdade, você apenas deu uma voltinha no quarteirão para chegar ao mesmo lugar.
Ora, se a resposta está embutida na pergunta, é óbvio que é possível prever o futuro, tão possível quanto prever o passado.
Foi o que fez Teseu, na Ilha de Creta, ao adentrar o labirinto do Minotauro. Tirou do bolso seu novelo de lã e foi desenrolando ao longo do caminho. Fez o trabalho sujo e, na hora de escapar, bastou enrolar o novelo de novo.
A história começa e termina com o mesmo novelo, completamente enrolado. Nunca houve um futuro narrativo em que Teseu estava perdido/morto ou em que o Minotauro triunfava e se casava com Ariadne.
Muitos chamam a história de O Mito de Teseu. Para mim, é claramente o Mito do Minotauro. Ele (o Minotauro) é o protagonista.
Teseu não precisa fazer nada diferente, que vida de merda.
Teseu passa sua existência mitológica inteira numa porra de um labirinto que nem labirinto é, pois consegue facilmente enrolar e desenrolar um novelo de lã que transforma o labirinto em um círculo fechado que vai e volta, vai e volta…
É o falso herói, premiado pela continuidade. Continuidade só capaz de preservar a vida dentro de um arcabouço lógico hermeticamente fechado.
Já o Minotauro morre. Antes de morrer, ele imagina mil diferentes futuros nos quais possa fazer churrasco de Teseu, arrumar uma tesoura para cortar o novelo, espalhar outros novelos por aí, escalar o muro do labirinto, qualquer coisa é melhor do que a morte.
Não à toa, o bom investidor é como o Minotauro diariamente preparado para a morte, imaginando mil alternativas à quebra financeira que resulta do continuísmo de outrem.
Paranoico demais?
Na palestra de aniversário da Empiricus, Bernardinho comentou sobre seu livro preferido de cabeceira: " Only The Paranoid Survive", só os paranoicos sobrevivem.
Se você acha que eu sou paranoico demais, devo confessar que isso é só o começo. Meu ativo mitológico preferido nem é o Minotauro. Tem outro bem mais legal.