Contra a gourmetização da economia
Este minuto é um manifesto contra a gourmetização do mundo, à tendência atual de atribuir a tudo uma roupagem superficial na tentativa de mascarar a essência da coisa.
Ontem recebi crítica por email ao desqualificar a “água gourmet” na enquete dos R$ 5. Ora, se água é incolor, inodora e insípida, qual a virtude de uma água gourmet? O preço?
Em um mundo em que picolé virou “paleta”, tira-gosto virou “finger-food”, e trailer de lanche é “foodtruck”, segurar o dólar virou “suavizar volatilidade” e rombo fiscal virou “escorregadinha”.
Algumas gourmetizações são perigosas. E todas - sem exceção - pesam no bolso.
Crise, que crise?
Varredura matinal dos noticiários para elaboração do M5M desta quarta-feira...
Talvez seja precipitado falar em “crise”... Há alguma palavra gourmet para resumir o retrato acima? A coisa vai ficar mais séria A despeito de nuances semânticas, a crise brasileira está dada, ninguém mais questiona a fragilidade dos fundamentos internos diante de fatos como a estagnação, a inflação acima do teto da meta (& contando), o rombo nas contas públicas, o dólar próximo de R$ 3... Depois que, rigorosamente, todos os 10 elementos projetados na tese O Fim do Brasil se materializaram com velocidade espantosa, temos nos preocupado com algo maior. Como uma economia baseada em commodities e de moeda frágil, tradicionalmente, portanto, sensível a choques externos e, pior, fragilizada, lidaria com um grande colapso econômico em nível global, com as consequências acumuladas e adiadas da contenção da crise do subprime1? Temos falado nos últimos dias sobre o descompasso da economia mundial. A velocidade de deterioração e risco relacionado à postergação da ressaca (que faz suas consequências aumentarem) também é espantosa.Tornando curta uma história longa, o excesso de intervencionismo dos Bancos Centrais, e dos governos em geral, adotado desde a crise de 2008 para salvar a economia mundial do colapso do sistema financeiro, embora necessário, levou a uma grande armadilha. Fomentamos a maior bolha de ativos da história e arcaremos com as consequências.Basicamente, a sociedade transferiu aos Bancos Centrais seu excesso de endividamento. As autoridades monetárias assumiram para si as mazelas da população e adicionaram outros US$ 12 trilhões de moeda ao sistema financeiro mundial.Cedo ou tarde, isso haverá de voltar para a sociedade. 1 “marolinha”, no termo gourmet A real “motivação” dos mercados Ou, o (outro) gráfico que muda tudo Esse excesso de intervencionismo governamental suaviza a volatilidade e esconde uma série de problemas relevantes, ao alimentar a tomada exagerada de riscos e estimular a tomada de dívidas, mas desde já não esconde alguns desequilíbrios gritantes. Temos Bolsas mundiais em patamares recordes históricos de alta diante da farra do dinheiro fácil e barato. Com economias em recessão ou estagnação, algumas enfrentando deflação e sob revisões negativas nas projeções de lucros e investimentos das empresas. Qual a real “motivação” dos mercados? O Fed ou os fundamentos? Petro ladeira abaixo O rebaixamento da classificação de risco da Petrobras para grau especulativo provoca o derretimento das ações. Dentre os inúmeros problemas de Petro, o maior deles, na minha opinião, é o estrangulamento da estrutura de capital. O alerta é antigo: as contas da estatal simplesmente não fecham. A maior dívida corporativa do mundo, 70% em dólar, sem balanço, e, portanto, sem alternativa de captação via tomada de mais dívida, tendo de tocar o maior plano de investimento do mundo e ainda pagar dividendos para alimentar superávit primário do governo... Algo que não encaixa. Polilema impossível, cuja saída (talvez única) seja pedir mais dinheiro para o mercado via emissão de novas ações, ainda mais agora que a captação via emissão de mais dívida fica cada vez mais cara. A esta altura do campeonato, todos estão cansados de saber do problema. No mercado de dívida, os títulos da Petrobras já pagavam prêmio semelhante aos títulos de empresas de grau especulativo, ou “junk”. Portanto, o rebaixamento pela agência de classificação de risco, apesar de ser a segunda vez no ano e de manter Petro sob observação negativa para possível rebaixamento adicional, na verdade é tardio e reativo. A presidente Dilma, no entanto, afirmou que o rebaixamento revela “falta de conhecimento sobre Petrobras”. Ela precisa decidir se sabe ou se não sabe da Petrobras. |