O Bitcoin é um ativo financeiro digital que é apresentado como algo aberto, disponível para qualquer pessoa, inclusivo, sem barreiras de entrada, democrático etc.
Existe uma infinidade de discursos que foi se formando ao longo dos últimos anos e que tenta dar uma roupagem ao Bitcoin que talvez seja um pouco forçada.
Na minha opinião, o Bitcoin é, por enquanto, e talvez por muito tempo ainda será, um ativo financeiro digital que pode ser usado somente por um pequeno e seleto grupo de pessoas.
Neste artigo, quero tentar responder a uma pergunta que há tempos faço para algumas pessoas próximas que acompanham esse mercado: quem pode comprar bitcoin? Quem pode tomar o risco de comprar bitcoin, seja para usá-lo como meio de transporte de valores, seja para segurá-lo como investimento?
O primeiro aspecto que devemos analisar é o financeiro. Quem, no mundo, ou no Brasil, tem dinheiro disponível para arriscar em algo tão complexo e arrojado como o bitcoin?
Se olharmos os dados de rendimento médio mensal produzidos pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), veremos que quase 60% da população brasileira ganha no máximo cerca de R$1.900 por mês. Os dados também apontam que somente 2,5% dos brasileiros possuem renda média mensal acima de R$20 mil.
Quando olhamos os dados de renda média familiar per capita, ou seja, o rendimento de toda família dividido pelos membros que a constituem, a gente percebe que a vida é bem dura no Brasil.
No Maranhão, por exemplo, cada membro da família dispõe em média de R$597 por mês para sobreviver. Em São Paulo, esse valor é de R$1.712. No Brasil, a média é de R$1.268.
Pergunte a si mesmo: se eu fosse um maranhense que ganhasse menos de R$20 por dia, eu iria arriscar o meu dinheiro para comprar bitcoin?
É claro que eu sei perfeitamente que é possível comprar uma fração de bitcoin. Não estou aqui argumentando qual parcela da sociedade brasileira é capaz de comprar uma unidade inteira de bitcoin, ou seja, quem poderia gastar cerca de R$24 mil reais hoje (10/04/2017) para comprar 1 bitcoin. O meu ponto é: quem tem dinheiro sobrando para investir/especular/apostar em um ativo financeiro digital tão novo, arriscado e complexo?
Além da questão financeira, tem outro aspecto muito importante que temos que levar em conta: a pessoa que compra bitcoin precisa entender, o mínimo que seja, de inglês. O universo do bitcoin é todo em inglês: wallet, address, fee e por aí vai. Esse é um fator limitante que eu gostaria de discutir em outro post, mas vejamos alguns dados em relação a isso.
Segundo uma pesquisa do British Council no Brasil, apenas 5% da população do Brasil fala inglês e menos de 1% apresenta algum grau de fluência. É pouca gente. Se você que está lendo esse texto, sabe ler e falar inglês e ganha mais de R$2 mil reais por mês, considere-se um grande privilegiado no Brasil.
Bom, até agora vimos que no Brasil pouca gente tem dinheiro para arriscar em algo tão novo e complexo e menos gente ainda possui capacidade cognitiva de lidar com essa inovação.
Se analisássemos esses mesmos indicadores a nível mundial, a situação seria ainda pior. Várias regiões do mundo, como partes da Ásia, África e da América, são mais pobres e menos educadas que o Brasil. Querendo ou não, o Brasil é uma potência econômica. E prova disso é que o mercado brasileiro de bitcoin está entre os 15 maiores do mundo.
Portanto, refaço a pergunta do título: quem pode comprar bitcoin no Brasil?
Aqui vai uma resposta simplista, mas que acredito estar bem perto da realidade: só quem é rico, ou seja, tem dinheiro sobrando para arriscar e quem teve boa educação e por isso consegue falar e entender inglês é que pode comprar bitcoin.
Quando as corretoras brasileiras falam que possuem juntas mais de 1,5 milhão de cadastros, eu lembro que este número representa menos de 1% da população brasileira. Penso também que talvez o número total de brasileiros que se encaixa na definição genérica de quem pode comprar bitcoin talvez não ultrapasse os 2% da população, ou seja, um universo potencial de no máximo 4 milhões de pessoas.
Porém, temos que considerar outras variáveis. A primeira delas é a questão de gênero. Infelizmente, o ecossistema de ativos digitais no Brasil e no mundo é dominado por homens. Vou citar dados demográficos do meu grupo de discussão no Facebook (se você ainda não participa, clique aqui). Apenas 5% das participantes são mulheres.
Outro dado interessante e bastante relevante para a nossa estimativa de quem pode comprar bitcoin diz respeito à faixa etária do público potencial. Ainda segundo os dados demográficos do meu grupo no Facebook que são corroborados por diversas outras fontes, como pesquisas realizadas por sites de notícias a que tive acesso, o principal grupo que compra ativos digitais possui entre 25 a 35 anos.
Portanto, consideremos as seguintes premissas:
i) renda: quem tem dinheiro disponível para arriscar?;
ii) educação: quem é capaz de lidar com aplicativos e sites em inglês, seja para entender sobre o que está comprando, seja para efetivamente operar uma compra ou venda?;
iii) gênero: o universo dos ativos digital é dominado por homens;
iv) faixa etária: o grupo que mais se envolve nesse mercado tem entre 25 a 35 anos.
É obviamente impossível chegarmos a um número preciso no que tange ao potencial de mercado para os ativos digitais no Brasil, mas eu tenho a forte impressão de que considerando todos os fatores de limitação, estamos muito próximo do limite.
Atualmente, o número potencial de pessoas que podem efetivamente comprar bitcoin no país está ao redor de 2 milhões.
Hoje, o bitcoin não é para qualquer um.