Reformar a Administração Pública Brasileira

Publicado 22.10.2019, 14:29

O Brasil é um país que ainda sofre com grande desigualdade de renda, e isso não é novidade para ninguém. Recentemente, um novo estudo do IBGE apontou que essa inequidade atingiu nível recorde em 2019 – ela é mensurada em desde 2012.

Para além da questão da renda, existe uma desigualdade mais latente que contribui diretamente para esse abismo entre o bem-estar dos mais abastados e a falta dele entre os mais miseráveis. A desigualdade de oportunidades no país é tremenda. Entenda este fenômeno como a falta de acesso a recursos básicos que permitem que todos tenham as mesmas oportunidades durante suas vidas – basicamente, que partam da mesma linha de largada.

A desigualdade de oportunidades é multifacetada e pode ser entendida a partir de diversos recortes. Ela reside na baixa qualidade da educação básica (agora, praticamente universal no país); no atendimento limitado e, por muitas vezes, precário do SUS; na impotência do Estado em proteger jovens Brasil afora do mundo crime. A desigualdade de oportunidades é fruto de um país comprometido com o bem-estar de sua população – vide o pacto constitucional de 1988 –, mas ainda estruturalmente desorganizado, historicamente capturado por interesses de grupos corporativos e ineficiente, quando da perspectiva da administração pública. Um Estado com muitas boas intenções, mas refém de distorções gigantescas em seu funcionamento.

Uma das grandes distorções, corrigida neste ano, é a Previdência Social. Insustentável, o regime previdenciário bancado pelo governo brasileiro foi reformulado. Assim, espera-se mudar, no futuro, o atual cenário de gastos primários do governo, em que grande maioria é destinada somente ao pagamento de aposentadorias. Outro ponto sensível dos gastos governamentais está ligado às despesas com servidores públicos ativos – hoje, segunda colocada no ranking das despesas primárias. A burocracia pública, criada nos tempos de Getúlio Vargas, reformulada em 1988 e modernizada em meados de 2000, atualmente dá claros sinais de obsolescência.

A administração pública brasileira não entrega um retorno de valor público à altura quando o tema é qualidade de serviços básicos. Além disso, ela se caracteriza pela baixa produtividade – aliás, o Brasil como um todo – e pela ineficiência. Uma máquina que, em termos de pessoal, não é tão grande (ver gráfico abaixo), mas é custosa.

Emprego público no emprego assalariado de um país

Segundo estudo do Banco Mundial deste ano, o Estado brasileiro gasta cerca de 10% de seu PIB com o pagamento de salários e vencimentos de servidores públicos ativos. De 2007 a 2017, esse gasto aumentou cerca de 48% em termos reais e, apesar de o número de servidores públicos ter crescido, a massa salarial aparenta nível elevado para a realidade internacional. Veja, no gráfico abaixo, que a nossa posição é considerada bastante elevada.

Massa salarial por país - % do PIB

Em contrapartida, esses gastos altos não se justificam, já que a percepção da população em relação aos serviços públicos continua bastante negativa. Segundo estudo realizado pela consultoria Oliver Wyman, a avaliação da qualidade dos serviços públicos no Brasil, na média, é considerada baixa. Comparativamente, ficamos atrás dos nossos vizinhos latinos (Chile, Colômbia, etc.) e muito distante dos padrões de avaliação dos países desenvolvidos.

Avaliação da qualidade dos serviços públicos

Assim, o quadro da administração pública custa caro e não corresponde às expectativas de retorno da população. Por que e como chegamos a esse quadro? Para além do aumento expressivo de funcionários nos últimos 20 anos, existem fatores que dificultam uma boa gestão de desempenho e de pessoas, encarecendo a máquina pública. Por exemplo, o poder executivo federal dispõe de mais de 300 carreiras variadas, muitas vezes com atribuições semelhantes, mas formalmente distintas – impossibilitando a mobilidade de servidores dentro da administração pública.

Ainda mais, como meio de atrair bons profissionais por meio de concursos, os salários iniciais da administração pública são altamente distorcidos se comparados com a realidade do setor privado (ver gráfico abaixo). Isto não seria um problema per se, mas a realidade é que funcionários entram com altos salários, praticamente a totalidade deles são promovidos sem nenhum critério sólido de avaliação de desempenho e acabam atingindo o teto de suas carreiras precocemente. Em outras palavras, o setor público atrai gente boa por meio de um salário extremamente deslocado da realidade, mas rapidamente torna esses quadros acomodados e desmotivados, já que os planos de carreira proporcionam prêmios indiscriminados.

Prêmio salarial do setor público

Como colocou muito bem o estudo de reforma no RH do governo da Oliver Wyman, capitaneado por Carlos Ari Sundfeld e Armínio Fraga: , "O Estado abre vagas sem planejamento e seleciona sem testar competências adequadas à função. Depois promove por critérios formais, de forma automática, e remunera sem vínculo com a produtividade."

Neste contexto, a administração pública brasileira falha em diferenciar bons servidores de maus servidores e não consegue punir aqueles que não estão comprometidos com o cargo, demonstrando baixo desempenho de suas funções. O motivo pelo qual as punições (e desligamentos, por consequência) são baixas é também legal, já que o arcabouço jurídico é demasiado amplo e os processos administrativos acabam, em sua grande maioria, prescrevendo. Desta conjuntura, observa-se que uma reforma administrativa no Brasil atual vai além da questão da estabilidade. A estabilidade é importante, por um lado, mas não há dúvidas de que a extensão e o grau de garantias que ela estende devem ser revisto.

Uma reforma sólida, portanto, deve ser uma reforma que possibilite mais flexibilidade no setor público; que proponha novas formas de contratação e avaliação de desempenho; que reestruture planos de carreira, diminuindo os salários iniciais e implementando a meritocracia como base para remunerações e promoções. Na mesma linha da reforma previdenciária, uma boa reforma do setor público deve corrigir distorções e causar uma economia fiscal relevante no médio-longo prazo. Uma administração pública eficiente e de alta produtividade pode entregar serviços melhores para a população e, em um horizonte mais distante, reduzir as desigualdades de oportunidade que tanto afetam nosso país.

Ainda não há uma proposta oficial do governo, mas alguns membros da equipe econômica vêm, em conjunto com Rodrigo Maia – defensor ferrenho da necessidade de reformar a administração pública – dando sinais de que um projeto será apresentado ainda neste ano. É um próximo passo tão importante, ou até mais, quanto a reforma tributária para o Brasil. Após 30 anos de Constituição e democracia, os desafios já são outros e a máquina pública já não desempenha a mesma função. É indispensável reformar para crescer.

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