Olá, pessoal! Hoje trago um tema extremamente relevante no universo de finanças corporativas: estrutura de capital e suas implicações. Trata-se de um assunto complexo, amplamente estudado e sobre o qual a grande maioria dos executivos – senão todos – se depara com decisões estratégicas que impactam de forma direta o sucesso de seus negócios. Naturalmente, não tenho a pretensão de cobrir todo o arcabouço teórico em um único texto, mas, sim, apresentar ao leitor os principais achados da academia, sempre complementando com uma visão prática sobre o tema. Este artigo foi coescrito com Fabio Civiletti, consultor sênior da CHC Finance e diretor executivo da iluminus – Academia de Finanças.
Quando uma empresa não possui caixa suficiente e precisa financiar ativos e/ou projetos, existem fundamentalmente duas fontes de capital a se acessar: acionistas (que aportam capital próprio, também referido como “equity”) e terceiros (que aportam capital na empresa em forma de dívida). Quando a empresa tem nova necessidade de financiamento, é papel dos executivos definir qual dessas fontes acessar, conhecendo as vantagens e desvantagens de cada uma, bem como os impactos de se modificar o equilíbrio dívida/equity da companhia.
No fim da década de 50, os economistas Franco Modigliani e Merton Miller publicaram um trabalho considerado por muitos o ponto de partida da administração financeira moderna. Nesse trabalho, avaliaram os impactos do endividamento de uma firma para a própria companhia e para seus acionistas, pautando, de início, o estudo em algumas premissas: considerou-se um mundo teórico no qual o mercado fosse perfeitamente eficiente (sem assimetria de informações entre os participantes), em que pessoas físicas e jurídicas fossem capazes de tomar empréstimos a um mesmo custo e em que não houvesse a incidência de impostos nem de custos transacionais. Essa avaliação resultou em alguns achados, comumente referidos como proposições. Provavelmente, a principal delas é que nesse mundo teórico, o valor da empresa alavancada (com dívidas) equivale a seu valor sem dívidas (isto é, a alavancagem por si só não gera valor adicional à firma) e, portanto, seu valor independeria da sua estrutura de capital (isto é, da razão dívida vs. capital próprio): um resultado irrealista, o que se explica pelas premissas distantes da realidade tomadas pelo modelo (voltaremos a isso adiante).
Aqui, cabe um rápido panorama sobre o custo de capital. O custo de capital próprio pode ser associado ao custo de oportunidade do investidor – é a taxa justa para remunerar o acionista, tendo em vista o nível de risco do ativo em tela. Já o custo da dívida é referente aos juros a serem pagos para remunerar o credor que está cedendo aquele montante financeiro e, portanto, também exposto a riscos. O cálculo do primeiro é mais subjetivo, existindo diversos modelos que visam estimá-lo de forma adequada, como, por exemplo, o tradicional CAPM (“Capital Asset Pricing Model”). Por outro lado, o custo do capital de terceiros é mais objetivo e até observável (no caso de uma empresa de capital aberto, por exemplo, tais informações costumam constar nas notas explicativas de sua demonstração financeira). Entre ambos, em linhas gerais, espera-se que o custo de dívida seja inferior, por um motivo simples: os juros são pagos antes da distribuição de lucros aos acionistas, fazendo com que estes fiquem por último na fila e, portanto, estejam em posição mais arriscada.
Sucedendo essa primeira fase do estudo de Modigliani e Miller (e buscando garantir a aplicabilidade prática do trabalho, haja vista que as premissas iniciais não são atendidas no mundo real), o próximo passo foi avaliar como os impostos impactariam essa primeira proposição. E o impacto é significativo. Como mencionado acima, quando há dívidas, os credores têm seu risco recompensado por meio do recebimento de juros. Do ponto de vista contábil, os juros são análogos a despesas, portanto, reduzem a base tributária da empresa que os paga, fazendo com que sejam devidos menos impostos (no regime tradicional de lucro real – nota: isso não vale para o lucro presumido ou para o Simples Nacional). Ora, isso muda o jogo de forma significativa. A estrutura de capital da empresa frente a esse cenário é absolutamente relevante, pois, agora, em teoria, quanto mais dívida, melhor porque os impostos a pagar são reduzidos (é como se a empresa ganhasse valor e o governo, perdesse).
Ao avaliar empresas reais, o leitor não encontrará sequer uma estrutura de capital financiada única e exclusivamente por dívida. Então, o que explica essa disparidade entre o que aponta esta teoria remodelada e o mundo real? Resposta: algumas das premissas do modelo deixam de ser verdadeiras quando o nível da dívida cresce em demasiado, o que faz com que este resultado não seja exatamente válido no mundo real.
De maneira abrangente, quando a dívida adentra patamares arriscados, uma série de custos não presentes no modelo teórico começam a aparecer: os chamados custos do distresse financeiro. Estes custos, em algum momento, passam a destruir o mesmo valor gerado pelo benefício fiscal da dívida: este é o ponto ótimo para a estrutura de capital.
Para ilustrar com um exemplo matador, cabe lembrar que no mundo real o custo da dívida se eleva conforme aumenta a alavancagem corporativa: do ponto de vista do credor, quanto mais dívidas a empresa possui, maior é o risco de insolvência (isto é, de a firma não ser capaz de arcar com suas obrigações). Aqui cabe até um exercício lúdico para motivar uma reflexão sobre essa estrutura teórica: suponhamos uma empresa que possua seu financiamento 100% pautado em capital de terceiros. Nesse caso, não existem acionistas, sendo assim, a vantagem de receber antes deixa de existir, já que todos são credores. Por mais ilógico que possa parecer, a estrutura em questão é análoga à de uma empresa financiada totalmente por capital próprio – em uma empresa sem acionistas, todos são “acionistas” porque simplesmente correm o risco como tal. Frente a isso, dado que não ter dívidas significa abrir mão de um benefício fiscal relevante e ter 100% de dívidas é impraticável, resta claro que uma estrutura balanceada entre dívida e equity terá algum ponto ideal intermediário no qual o valor da empresa será maximizado. Executivos precisam, em consequência, buscar esse ponto.
Mas como medir a saúde financeira, em específico a capacidade de pagamento de dívidas de uma firma? Via de regra, o mercado avalia a dívida líquida da empresa frente ao seu EBITDA (em português, LAJIDA, que é o lucro antes dos juros, impostos, depreciação e amortização). Não existe um número preciso a partir do qual o endividamento deixa de ser saudável de acordo com essa métrica, mas, em geral, pela nossa experiência, bancos e instituições afins esperam algo em torno de uma dívida líquida que represente até 2 vezes o EBITDA da firma, podendo chegar a 4 vezes o EBITDA temporariamente, após um grande projeto ou aquisição. Aqui, ratificamos que não se trata de uma resposta “escrita na pedra” ou mesmo balizada pela teoria, pois cada caso deve ser avaliado individualmente. Os números foram trazidos para que o leitor tenha uma noção do que se espera em linhas gerais para esse indicador.
Além das taxas de juros majoradas quando o nível da dívida aumenta, há outros custos (diretos e indiretos) que destroem o fluxo de caixa livre para acionistas (e portanto, o valor da empresa). Os custos diretos são mais fáceis de imaginar: no limite, uma empresa em recuperação judicial estará exposta a custos relevantes do processo, como, por exemplo, com honorários advocatícios e limitações legalmente impostas. Já os custos indiretos são mais complexos e podem se manifestar de algumas formas distintas, como, por exemplo, por meio da redução da capacidade de realizar negócios – quando a empresa se encontra nesse estágio, muitos clientes e fornecedores perdem a confiança, fazendo com que as vendas se reduzam e/ou os contratos de fornecimento se tornem menos competitivos. Aqui vale citar também como exemplo de custos indiretos os de agência (em inglês: agency costs), provenientes dos conflitos de interesse entre acionistas e credores quando o risco de falência passa a ser relevante (tema vasto, que por sua complexidade merece um artigo específico).
Dito tudo isso, a resposta à questão central do artigo é que existe, sim, um nível de alavancagem ótimo (e, portanto, uma estrutura de capital dívida/equity ótima) capaz de potencializar o valor da firma. Se por um lado simplesmente não ter dívidas é ineficiente (não apenas pela perda do ganho fiscal, mas em algumas situações, por perda de competitividade no mercado), por outro ter dívidas elevadas gera custos que destroem valor do acionista. O trabalho de Modigliani e Miller foi o ponto de partida e construiu a base para as discussões – ambos, inclusive, posteriormente receberam o prêmio Nobel de Economia –, mas no mundo real existe uma miríade de fatores que fazem com que a teoria ainda não tenha sido capaz de definir de forma precisa (isto é, de forma matemática) esse equilíbrio ótimo. Na prática, cada setor costuma convergir para uma estrutura típica, que acaba por ser função dos riscos e peculiaridades daquele determinado setor (previsibilidade dos fluxos, sensibilidade a fatores macroeconômicos etc.).
Em suma, é papel fundamental dos executivos tentar buscar o cenário limite em que a empresa seja capaz de maximizar o benefício fiscal oriundo da captação de dívidas, porém, sem que isso represente um risco potencial demasiado percebido pelo mercado de que possa não honrar por completo com suas obrigações financeiras. No equilíbrio, o ganho marginal da dívida iguala o seu custo marginal.
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Forte e respeitoso abraço em cada um de vocês.
* Carlos Heitor Campani é PhD em Finanças, Certificado pelo CNPI e Pesquisador da ENS – Escola de Negócios e Seguros. Além disso, ele é Diretor Acadêmico da iluminus – Academia de Finanças e Sócio-Fundador da CHC Finance e da Four Capital. Campani pode ser encontrado em www.carlosheitorcampani.com e nas redes sociais: @carlosheitorcampani. Esta coluna sai a cada duas semanas, sempre na quinta-feira.