A decisão tomada na 3ª feira (26.mar.2024) pela maioria da diretoria da Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) de congelar as tarifas de energia do Amapá em 2024 foi vista com preocupação por parte dos diretores da entidade e pelo setor elétrico. Na 5ª feira (28.mar), o diretor-geral da agência, Sandoval Feitosa, afirmou que a medida traz insegurança jurídica e regulatória.
O entendimento firmado foi de um reajuste zero, mas é provisório. Foi articulado pelo governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT), incluindo o próprio presidente e o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira.
A costura foi feita para atender políticos do Estado influentes em Brasília, como os senadores Davi Alcolumbre (União Brasil-AP) e Randolfe Rodrigues (sem partido-AP), além do ministro de Integração e do Desenvolvimento Regional, Waldéz Goes (União Brasil). A pressão se deu sobretudo para evitar tamanho aumento em ano eleitoral, o que poderia atrapalhar os planos de aliados do governo.
Na 3ª feira (26.mar), a Aneel analisou o processo de revisão extraordinária da CEA Equatorial (BVMF:EQTL3), distribuidora do Estado. Em uma votação apertada, por 3 a 2, a diretoria da entidade aprovou o processo com reajuste zero. Na prática, a decisão empurra o aumento para o processo de reajuste anual, que será avaliado em dezembro.
“A decisão que foi tomada traz insegurança regulatória? Claro que fui vencido no julgamento, juntamente com a diretora Agnes [Costa]. Mas eu afirmo que sim, traz insegurança regulatória, traz insegurança jurídica. Ela não é a melhor decisão na minha ótica. Deixo claro, mais uma vez, que a decisão foi tomada por maioria. E faremos todos os esforços possíveis para cumpri-la”, declarou Sandoval na 5ª feira.
O aumento médio foi proposto inicialmente em 44% e recalculado pela área técnica da agência para 34% depois de realização de consulta pública. O reajuste extraordinário é um direito da distribuidora determinado no seu contrato por causa dos altos investimentos feitos para melhorias na rede de distribuição nos primeiros anos de concessão.
Em visita ao Amapá em 18 de dezembro, Lula e Silveira anunciaram que o governo faria um aporte de R$ 350 milhões para aliviar os efeitos do processo de revisão tarifária. A expectativa, com os recursos, era de que o reajuste ficasse próximo a 10%.
A ideia principal, como mostrou o Poder360 em dezembro, é usar recursos de fundos criados com a venda da Eletrobras (BVMF:ELET3), em especial o Fundo da Amazônia, que permite o uso em projetos de redução de custos de energia na região. Esse dinheiro seria usado para aliviar os empréstimos das Conta Covid e de Escassez Hídrica na conta de energia.
O aporte, porém, depende da publicação de uma MP pelo governo que indique as fontes do recurso, como ele seria usado e qual a aplicação. O Ministério de Minas e Energia já preparou o texto da medida provisória, que está na Casa Civil e deve ser publicado nos próximos dias.
O governo queria que a Aneel aguardasse a MP para analisar o reajuste. O problema é que sem a votação da revisão, a CEA Equatorial estava sem tarifas vigentes, sem receber inclusive repasses setoriais aos quais tem direito.
DIVISÃO DE FORÇAS
Para resolver o problema, foram colocadas duas opções. Sandoval Feitosa apresentou voto para que as tarifas da CEA fossem prorrogadas por 60 dias. Depois, seria feito um cálculo correto da tarifa de acordo com a medida provisória. A proposta só foi acompanhada pela diretora Agnes Costa.
Saiu vencedor o voto do relator, diretor Fernando Mosna, que apesar de reconhecer o direito da empresa em ter o reajuste, assegurou que não haverá aumento até dezembro. Foi aprovado o diferimento dos valores, ou seja, uma postergação do reajuste. O voto foi seguido pelos diretores Ricardo Tili e Hélvio Guerra.
Depois do resultado, o ministro Alexandre Silveira comemorou o entendimento da agência: “O Amapá não será injustiçado com aumento muito maior do que os demais Estados do país. A decisão representa alívio do peso sobre os ombros daqueles que mais precisam”.
A votação neste caso deixou clara a divisão de forças que existe atualmente na Aneel. Mosna e Tili são ligados ao grupo do ex-secretário-executivo de Minas e Energia Efrain Cruz –que até janeiro era o número 2 de Alexandre Silveira. Os 2 têm posicionamentos quase sempre iguais nas votações.
Já Agnes e Sandoval são vistos como diretores de perfil mais técnico. Também costumam ter votos semelhantes. Hélvio Guerra, por outro lado, acaba ficando com a função de desempate em muitas votações. Foi o que aconteceu no caso Amapá, em que ele acabou seguindo Mosna e Tili.
Durante a votação na 3ª feira, a diretoria Agnes Costa chegou a classificar a proposta aprovada pela maioria como uma decisão que só “joga o problema para a frente” e que poderia provocar uma “bola de neve”, com um aumento ainda maior no próximo processo de reajuste da CEA por não enfrentar o problema agora.
Em entrevista na 5ª depois do 1º leilão de linhas de transmissão de 2024, Sandoval Feitosa foi questionado sobre a decisão. Declarou que “não foi confortável ficar 100 dias sem a definição de uma tarifa” e que acredita que a MP vai endereçar a solução para o Amapá, mas mostrou preocupação com o formato aprovado pela maioria.
De acordo com Sandoval, agentes do setor elétrico expressaram temor que a decisão abra outras precedentes na agência. “Após a decisão fui procurado por diversos presidentes de empresas e por diversos investidores preocupados com o encaminhamento desta decisão. O que mais uma vez acredito que a solução legislativa vai corrigir essa assimetria regulatória”, disse.